29/10/09

Ter voz

Ter voz não é sinónimo de ter razão ou de dizer algo que valha a pena reter. Mergulhados num mundo em que a informação nos bombardeia a todo o momento, falta muitas vezes o discernimento para separar o essencial do acessório e levar o diálogo para as questões de fundo.

A responsabilidade, neste caso, não é apenas de quem informa, até porque essa relação quase estática entre transmissor e receptor na comunicação praticamente desapareceu no tempo do multimédia e das novas tecnologias. Se há folhetins que são alimentados durante dias a fio é porque há “audiência” para os mesmos, ainda que seja só para criar mais confusão e desentendimentos.

Por mais democrática que seja a nossa sociedade, nem todas as vozes são iguais. É uma situação de facto, que implica responsabilidade acrescida para quem sabe que terá sempre prontos para si os holofotes mediáticos, por convicção, por interesse ou apenas pelo inusitado das suas posições.

Sair deste turbilhão e procurar um ponto de equilíbrio que ajude a colocar as coisas no seu lugar e a relativizar as modas do momento é uma missão difícil, mas essencial.

À margem de toda a espuma mediática destes dias, no nosso país, encerrou-se no Vaticano o II Sínodo dos Bispos para a África, do qual saiu claramente a ideia de que este continente tem uma voz própria e muito a dizer sobre as opções que definirão o seu futuro imediato.

O trabalho quase inquantificável de milhões de católicos em território africano só é notícia, praticamente, quando há temas polémicos pelo meio. Ao renovar a sua esperança no que a África é capaz de fazer e procurar distanciar-se das imposições ideológicas do Ocidente, os Bispos mostraram que é possível viver sem a meta da exposição internacional ou do aplauso da opinião dominante.

Ter voz, neste caso, significa falar a quem mais precisa, aos que foram “exilados” pelo galopante processo de globalização e colocados à margem do que seria um nível de vida minimamente condigno para o mundo do século XXI.

A voz da Igreja fez-se ouvir, por isso, neste Sínodo, levada desde África ao Vaticano e desde aí lançada ao mundo, porque a mudança desejada pelos africanos exige alterações profundas em todo o cenário global, que tende a menorizar as potencialidades deste continente, que muitos ainda teimam em ver à luz de preconceitos e imagens estereotipadas que tardam em desaparecer. Bastará dar voz a quem mais a merece.

Octávio Carmo


VER [+]

21/10/09

70x7 há 30 anos

No dia 21 de Outubro de 1979 era emitido o primeiro programa 70x7. Chegava à antena da RTP um projecto inovador para a televisão da época e sobretudo para a Igreja em Portugal.

Se o discurso marcara a presença do religioso na comunicação mediática até então, a partir do 70x7 era a experiência de proximidade, da narração na primeira pessoa, do registo da imagem e do som no local, por mais ermo que fosse, a oferecer criatividade aos 25 minutos de televisão, na manhã de cada Domingo.

Marcada por encontros entre paredes, a Igreja Católica vê emergir com o 70x7 a possibilidade de outros e novos encontros. Uns em sintonia com ambientes celebrativos de comunidades urbanas ou rurais, outros aparentemente distantes, mas em tudo relacionados com a revolução inaugurada pela mensagem de Jesus Cristo, inspiradora e lei para muitas gentes, em cada época e em cada contexto social. Em muitos destes casos, foi através da televisão, de poucos minutos de televisão em cada semana que se abriram novas fronteiras, novas frentes de missão, se integraram criativas experiências do cristianismo e se abriram janelas e portas da Igreja para toda a sociedade.

Passados 30 anos, esse registo permanece no 70x7.

Conhecida a história do programa, a herança dos fundadores e continuadores e a marca que criou na opinião pública, este programa distingue-se entre os vários conteúdos que a Igreja Católica em Portugal, através do Secretariado Nacional para as Comunicações Sociais, coloca na opinião pública pelos media. Eles giram ao torno da marca Ecclesia – a partir de Novembro também na rádio pública - e encontram no programa 70x7, pela identidade que sempre teve, o meio para tocar novas fronteiras, para tomar a iniciativa do diálogo, para a bidi-reccionalidades na comunicação, tão identitária e desafiante para o momento presente.

No assinalar de 30 anos de história, no próprio 70x7 destas semanas, ouvi um “senhor” da televisão deixar uma pista para que, hoje, o programa possa permanecer em sintonia com a sua história e falar a novos públicos. Dizia Luís Andrade, realizador e antigo director de programas da RTP, que há que dizer em 15 segundos o que antes se dizia em 15 minutos. Uma proposta para os que hoje o realizamos, enigmaticamente matemática, ao jeito do próprio nome do programa: 70x7.

Paulo Rocha


VER [+]

14/10/09

O que é um cristão cultural?

A categoria “católico ou cristão não praticante” faz pele de galinha a muita gente que assim reage contra o conformismo dos que receberam uma herança cristã sem nunca verdadeiramente a ter assumido. Engrossam as estatísticas mais genéricas, reconhecem-se num determinado conjunto de referências e partilham até uma esporádica ou difusa atmosfera religiosa, mas afastaram-se de uma integração prática e plena na dinâmica eclesial. Por isso, são olhados, tantas vezes, como um peso-morto que a Igreja tem de carregar e em relação ao qual pouco ou nada pode fazer.

Ora, sem simplificar aquilo que é complexo, deve-se dizer, porém, que eles representam também um imenso desafio. Hoje alguns autores da sociologia da religião preferem mesmo utilizar a designação “cristão cultural” para descrever este povo que, talvez de modo apressado, se chamava de “não-praticantes”. Verdadeiramente, os “não-praticantes” têm também as suas expressões que é preciso reconhecer: no seu modo de viver há práticas que persistem e outras que vão sendo transformadas; há um confronto com o Absoluto e um sentido do Transcendente, talvez soletrados com outra dicção, mas não necessariamente despojado de intensidade; há a procura dos valores evangélicos, mesmo quando explicitamente já não tomam o Evangelho como referência… Claro que nem tudo é igual, e há uma explícita maturidade cristã que tem de ser anunciada com desassombro. Mas isso não é incompatível com uma arte do encontro (e do re-encontro) que precisamos todos, praticantes e não-praticantes, de descobrir.

Da passagem recente de Enzo Bianchi entre nós, anotei, por exemplo, estas palavras, que nos obrigam certamente a pensar: «Creio que também há lugar para uma espiritualidade dos agnósticos e dos não-crentes, daqueles que se colocam à procura da verdade porque não se satisfazem com respostas pré-fabricadas e definidas de uma vez para sempre. É uma espiritualidade que se alimenta da experiência da interioridade, da procura de sentido e do sentido dos sentidos, do confronto com a realidade da morte como palavra originária e da experiência do limite; uma espiritualidade que conhece também a importância da solidão, do silêncio e do meditar».

José Tolentino Mendonça


VER [+]

09/10/09

Caras e corações

Será que existe a razão pura? Sem mancha de interesses ocultos, envolvências afectivas, ziguezagues de simuladores ardilosos? Segundo Kant essa razão cristalina, límpida, transcendental, criaria a grande base da ciência. Se é possível ter acesso à ciência, também é possível ter acesso ao bem.

Que terá tudo isto a ver com as eleições, concretamente as autárquicas?

A verdade do governo da cidade não vem muitas vezes duma ideologia, dum projecto, duma razão pura e objectiva. Nem sequer dos confrontos teatrais ou cómicos largamente expandidos nas televisões. Desta vez não há figuras mitificadas pelos media.

Estamos perante um voto de proximidade, vizinhança, com nome familiar, presença nos acontecimentos da comunidade, que ajuda a desenhar a cidade velha e a construir a nova cidade. Mas também a rua, o bairro, o muro, a casa, a janela, o canteiro das flores e o candeeiro em frente. Esse rosto tem poder, o seu governo, os seus ministros, que se reúnem, discutem e decidem. Aprovam e recusam, erguem e derrubam. Tudo ao pé da porta, com gente que a terra viu nascer, fazer-se doutor ou engenheiro, ou nunca aprendeu nada na vida a não ser passear-se por gabinetes e riscar sentenças. Certas ou erradas, desabam sobre o quotidiano da comunidade, no caminho que percorre, no asfalto às ondas ou nas estátuas por vezes inúteis que nada assinalam a não ser quem as mandou construir. Mas também quem se dá pela comunidade, a acompanha na sua festa e na sua dor. Quem vê e acompanha por dentro os grandes tempos e as rotinas da aldeia deserta e esquecida.Com testemunhos históricos: o pelourinho, a igreja, a escola, festa anual e esse orgulho com que cada um diz que esta é a sua terra.

Grande parte dos votos tem este cenário e recai sobre pessoas mais que conhecidas. Por isso se pergunta: será que o coração deixa funcionar a razão na eleição dos governantes locais? Será a comunidade lúcida na escolha dos homens e mulheres que vão gerir os seus destinos? Não será necessário escolher os melhores em vez dos mais amigos e simpáticos? Haverá democracia na miscelânea de interesses imediatos e de conluios com caciques com fachada de benfeitores?

Evocar Kant para lembrar que a razão deve funcionar nos grandes tempos pessoais e comunitários, é apenas aceitar que importa ver corações para além das caras. E que, como disse Jesus: “a verdade vos libertará”. (João 8, 32)

António Rego

VER [+]

01/10/09

Papa em Portugal

Fátima aguarda Bento XVI. Não só porque agora o comunicou. Sobretudo porque é nos grandes locais de peregrinação do cristianismo que tem manifestado desejo de estar o “primeiro dos peregrinos”.

Sucediam-se os indicadores dessa vontade pessoal do Papa, da sua proximidade ao povo português e, muito particularmente, da demonstrada opção por estar em locais de referência para a realização da experiência cristã na actualidade, onde se inscrevem os santuários marianos.

Estará em Fátima o teólogo que interpretou a relação de João Paulo II com a Mensagem de Fátima. Então Cardeal Ratzinger, também foi o actual Papa que “ofereceu” ao seu antecessor a profunda e emotiva ligação ao santuário da Cova da Iria. Após o atentado de 1981, no dia 13 de Maio, e a imediata relação com o que se celebrava, nesse dia, no “Altar do Mundo”, foi o estudo de mensagens contidas em segredo que aproximou decisivamente o pontificado do Papa Wojtyla, de Fátima. Revelada no Ano 2000, a terceira parte do segredo de Fátima mereceu a análise e o comentário teológico do actual Papa, então Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.

Ainda não completamente liberto da imagem gerada por esse cargo na Cúria Romana, é na proximidade que Bento XVI se revela. Esse o testemunho dos que com ele privam, agora como Pontífice da Igreja Católica, antes como teólogo.

Como em anteriores deslocações apostólicas, a proximidade com Bento XVI tem oferecido oportunidades para descobrir no actual Papa características de liderança marcadas pela profundidade da reflexão científica e pastoral. Também pela atenção aos problemas das sociedades que visita, sabendo denunciar injustiças e construções sociais que afectam a pessoa humana na sua dignidade e naturalidade, numa atenção muito estreita às circunstâncias políticas, económicas, culturais e religiosas do País onde é acolhido. Assim acontecerá também em Maio próximo. Portugal irá provavelmente receber Bento XVI ao mesmo tempo que joga no terreno de tensões parlamentares questões decisivas da pessoa humana, da sua dignidade e valorização, tanto individualmente considerada como na espontânea realização familiar que sempre tem marcado o rumo da história. E também por isso, a visita do Papa Bento XVI constitui uma oportunidade para Portugal, para a sua realização na História e, sobretudo, para a coerência das suas referências cristãs.

Paulo Rocha


VER [+]