30/10/12

Um saudável contágio

Não era necessário comunicar um modo de vida - ser católico - porque acontecia espontaneamente. Mas hoje já não acontece. E, não acontecendo, também não se sabe como transmiti-lo porque nunca fora uma prática. Quando muito, era rotina de uns poucos. A transmissão da experiência religiosa no catolicismo tem merecido acentua-do estudo. Em colóquios locais ou nacionais, em cursos superiores ou seminários internacionais e também nas reuniões sinodais procura-se saber como falar de Jesus Cristo nos dias de hoje, como anunciar o Evangelho, como passar às gerações futuras perspetivas para a vida de todos os dias que partem de um estilo inaugurado com um grupo de 12, há 2000 anos. A análise a esta problemática tem de ter presente a circunstância onde acontece a maioria da transmissão de saberes e experiências entre humanos: o contágio. Para o bem e para o mal, as pessoas deixam-se contagiar por ideias, causas, convicções. No ambiente familiar, entre amigos, no grupo de trabalho ou noutros mais circunstanciais, comunicam-se projetos, promovem-se conversas sobre problemas pessoais ou nacionais, adiantam-se os mais variados argumentos sobre quase todos os temas. E criam-se, assim, afinidades, cumplicidades. E o tema religião? Estará afastado deste contágio? Ao longo de muitas gerações, ele era natural. Acontecia no ambiente de cada família, representado simbolicamente na oração mariana ao redor da lareira ou no encontro dominical que a participação na missa também proporcionava. E não era necessário comunicar esse modo de vida, que incluía espontaneamente a perspetiva católica sobre tudo: as relações entre pessoas e grupos e a determinante presença do transcendente no dia-a-dia, com “intervenções” na definição de prioridades e na assunção de uma escala de valores que circunscrevia opções morais, sociais, pessoais. Não era necessário comunicar um modo de vida - ser católico - porque acontecia espontaneamente. Mas hoje já não acontece. E, não acontecendo, também não se sabe como transmiti-lo porque nunca fora uma prática. Quando muito, era rotina de uns poucos. Assim, está em causa alterar uma habituação, mudar paradigmas: superar práticas cristãs centradas em fórmulas e ritos pela prioridade do testemunho alegre da condição crente; renunciar a condição passiva do ouvinte e assumir o desafio da comunicação das razões que dão esperança; alargar os espaços de culto católico a ambientes de cultura católica. Como com o primeiro grupo, há 2000 anos, o convite é pessoal, o seguimento testemunhal e a comunidade o ambiente indispensável para que aconteça, de geração em geração, esse saudável contágio. Paulo Rocha

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25/10/12

Nova evangelização?

A Igreja Católica tem de enfrentar desafios novos com a sua mensagem de séculos O Sínodo dos Bispos que está a decorrer no Vaticano tem pela frente, até à sua conclusão, um grande desafio: assumir a afirmação definitiva da terminologia ‘nova’, aplicada à evangelização, ou optar – consciente ou implicitamente - por deixar cair uma expressão que, em boa verdade, tem provocado reações negativas e até alguma perplexidade por parte de quem entende que a missão da Igreja é única e permanente. A longa discussão com os mais de 260 participantes, durante quase duas semanas, pareceu algo errática, saltando entre as várias dimensões da ação eclesial e as diversas realidades em que as comunidades católicas, de implantação reconhecidamente mundial, se encontram. A realidade quotidiana e a sensibilidade de cada bispo levaram, muitas vezes, a que se apresentasse aos outros uma visão particular dos problemas, sem a preocupação do conjunto. 50 anos depois do início do Concílio Vaticano II, o encontro de tantos representantes dos episcopados católicos – um número recorde - para debater um tema tão vasto e aberto a tantas abordagens era visto com grande esperança e é de desejar, apesar das tensões e das preocupações que dominaram parte dos trabalhos, que o resultado desta assembleia sinodal esteja à altura das expectativas. A grande fratura que surge nesta matéria é a da ‘novidade’: a Igreja Católica tem de enfrentar desafios novos, com a sua mensagem de séculos, particularmente numa Europa envelhecida e cada vez mais cética, desconfiada de si, do futuro e, naturalmente, de Deus. Percebe-se, compreensivelmente, alguma tendência para responder a problemas novos com as fórmulas de sempre. Além disso, dificuldades e fracassos são atribuídos, em muitos casos, à falta de capacidade ou boa vontade dos recetores da mensagem e não tanto de quem a proclama. Há sinais positivos surgidos na reflexão que não se vão esgotar na mensagem final e nas propostas que o Sínodo vai apresentar ao Papa, mas é com natural atenção que estes documentos finais vão ser seguidos para se saber, afinal, se existe ou não uma ‘nova’ evangelização ou se aquilo que se diz desta se aplica à tarefa evangelizadora de toda a Igreja, em todos os tempos. Octávio Carmo

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17/10/12

«365 dias, 365 obras»: comunicar com os Bens Culturais da Igreja

Memórias vivas e comunicantes do sagrado, compete-nos, com efeito, desenvolver e incentivar as múltiplas valências deste legado Prosseguindo o esforço de valorização do património eclesial português, o Secretariado Nacional para os Bens Culturais da Igreja apresenta, no próximo dia 18 de outubro, o projeto multimédia “App 365 dias, 365 obras”. Destacando a dimensão pastoral e cultural da obra de arte religiosa, contextualizada num mais vasto programa de interpretação - para além da simples análise formal, como instrumento de apreciação estética - pretende fomentar uma consciência crítica de valorização e redescoberta do património religioso português. Sensibilizando os utilizadores para a sua riqueza e diversidade, visa deste modo uma mais ampla partilha, fruição e acesso aos Bens Culturais da Igreja. Plataforma online disponível nas versões iPad, Android, Mac e PC, concretiza-se na apresentação de uma obra por cada dia do ano, em articulação com o calendário litúrgico que a integra. Com navegação em vistas anuais, mensais e diárias, oferece-se assim como uma nova proposta de comunicação patrimonial. Memórias vivas e comunicantes do sagrado, compete-nos, com efeito, desenvolver e incentivar as múltiplas valências deste legado, promovendo a sua valorização ao serviço da missão que lhe está confiada, duplamente cultual e cultural. Em suma, sem fazer de tudo isto uma nova “indústria cultural”, de consumo superficial e espiritualmente nula, termino evocando as palavras de João Paulo II, quando nos interpela a transmitirmos “o assombro religioso perante o fascínio da beleza e da sabedoria, que emana de tudo o que a história nos entregou”. Sandra Costa Saldanha

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10/10/12

A forma do cristianismo em mudança

Em tantas situações, nesta diáspora cultural onde estamos semeados, a única palavra verosímil é a do testemunho de uma vida vivida com simplicidade e alegria no seguimento de Jesus. O teólogo Karl Rahner escreveu que “A Igreja tem sido conduzida pelo Senhor da história para uma nova época”. Não se trata só de baixas drásticas nos indicadores estatísticos quando se compara a atualidade com aquele que já foi o quadro da vivência da Fé. A questão é bem mais complexa. Talvez o que o nosso tempo descobre, mesmo entre convulsões e incertezas, seja um modo diferente de ser crente, traduzido de formas alternativas nas suas necessidades, buscas e pertenças. Não estamos perante o crepúsculo do cristianismo, como defendem aqueles que se apressam a chamar pós-cristãs às nossas sociedades. Quem não se apercebe que o radical lugar do cristianismo foi sempre a habitação da própria mudança não o colhe por dentro. Mas há eixos que se vão tornando suficientemente claros para que seja cada vez mais um dever os enunciarmos e contarmos com eles. Podem-se apontar três: Primeiro, os cristãos regressam à condição de “pequeno rebanho”. Com a evaporação de um cristianismo que se transmitia geracionalmente como herança inquestionada, os cristãos voltam a sê-lo por decisão pessoal, uma decisão muitas vezes em contra-corrente, maturada de modo solitário em relação aos círculos mais imediatos de pertença. Já não é de modo previsível que nos tornamos cristãos. Isso acontece e acontecerá cada vez mais como uma opção e uma surpresa. Depois, à medida que se assiste a um enfraquecimento da inscrição institucional das Igrejas no horizonte da sociedade redescobrimos o valor e as possibilidades de uma presença discreta no meio do mundo. Em tantas situações, nesta diáspora cultural onde estamos semeados, a única palavra verosímil é a do testemunho de uma vida vivida com simplicidade e alegria no seguimento de Jesus. E, em terceiro lugar, esta grande mudança epocal mostra-nos que precisamos recuperar aquilo que Karl Rahner chama o “santo poder do coração”. Os cristãos são chamados a viver a amizade como um ministério. “Isto é o que vos ordeno: amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 15,17). Há, de facto, uma revelação do cristianismo que só a prática da amizade é capaz de proporcionar. E nisto, o mundo, que pode até perder-se em equívocos sobre os cristãos, não se engana. Mesmo se for um único instante de contacto o que tivermos, tal basta para deixar transparecer uma amizade. José Tolentino Mendonça

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03/10/12

Missionários digitais

Neste ciberespaço moram hoje milhões de destinatários do Evangelho; também eles com o direito a que lhes seja apresentado o Nome que está acima de todo o nome Recebi com alegria o anúncio do tema para o 47.º Dia Mundial das Comunicações Sociais: “Redes sociais: portais da verdade e da fé, novos espaços de evangelização”. Escrevi “com alegria”, mas posso acrescentar que “sem surpresa”. De facto, vinham-se acumulando os sinais reveladores da crescente atenção da Igreja Católica ao mundo digital como nova terra de Missão. Basta pensar, por exemplo, na Mensagem para o 43.º Dia Mundial, quando Bento XVI pediu aos jovens que levem ao continente digital o testemunho da sua fé, introduzindo na cultura desse ambiente comunicativo e informativo os valores em que assenta a sua vida crente. Subjacente a este interesse está a convicção de que a cultura mediática e digital “progressivamente se estrutura como o lugar da vida pública e da experiência social” (Instrumentum laboris para o próximo sínodo dos bispos, 59); e ainda que a sua influência pesa sobre a perceção que temos de nós mesmos, dos outros e do mundo. Esta noção de que estamos mergulhados num outro caldo cultural e não confrontados com meras tecnologias, alterou atitudes: hoje, para a Igreja, a internet não é mais um mero meio de evangelização, mas um espaço a evangelizar, porque aí se exprime também a vida dos homens. Neste ciberespaço moram hoje milhões de destinatários do Evangelho; também eles com o direito a que lhes seja apresentado o Nome que está acima de todo o nome, como resposta ao apelo de Bento XVI a uma renovada urgência na Missão, nascida de uma caridade que impele a evangelizar. Precisamos, então, de missionários digitais. Não de meros conhecedores de tecnologias, mas de gente capaz de aí introduzir alma... Volto ao Instrumentum laboris (62) para o próximo sínodo dos bispos... Mencionando as novas fronteiras do cenário comunicativo em que a evangelização acontece, o documento reconhece benefícios e riscos na internet; mas pede aos cristãos “a audácia de frequentar estes novos areópagos, aprendendo a dar uma valorização evangélica, encontrando os instrumentos e os métodos para tornar audível também nestes lugares hodiernos o património educativo e de sapiência conservado pela tradição cristã”. Se a evangelização é uma prioridade à qual se deve adequar os estilos de vida, os planos pastorais e a organização diocesana, ao fazê-lo não se esqueçam as redes que precisam de ser humanizadas e vitalizadas... João Aguiar

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