14/10/09

O que é um cristão cultural?

A categoria “católico ou cristão não praticante” faz pele de galinha a muita gente que assim reage contra o conformismo dos que receberam uma herança cristã sem nunca verdadeiramente a ter assumido. Engrossam as estatísticas mais genéricas, reconhecem-se num determinado conjunto de referências e partilham até uma esporádica ou difusa atmosfera religiosa, mas afastaram-se de uma integração prática e plena na dinâmica eclesial. Por isso, são olhados, tantas vezes, como um peso-morto que a Igreja tem de carregar e em relação ao qual pouco ou nada pode fazer.

Ora, sem simplificar aquilo que é complexo, deve-se dizer, porém, que eles representam também um imenso desafio. Hoje alguns autores da sociologia da religião preferem mesmo utilizar a designação “cristão cultural” para descrever este povo que, talvez de modo apressado, se chamava de “não-praticantes”. Verdadeiramente, os “não-praticantes” têm também as suas expressões que é preciso reconhecer: no seu modo de viver há práticas que persistem e outras que vão sendo transformadas; há um confronto com o Absoluto e um sentido do Transcendente, talvez soletrados com outra dicção, mas não necessariamente despojado de intensidade; há a procura dos valores evangélicos, mesmo quando explicitamente já não tomam o Evangelho como referência… Claro que nem tudo é igual, e há uma explícita maturidade cristã que tem de ser anunciada com desassombro. Mas isso não é incompatível com uma arte do encontro (e do re-encontro) que precisamos todos, praticantes e não-praticantes, de descobrir.

Da passagem recente de Enzo Bianchi entre nós, anotei, por exemplo, estas palavras, que nos obrigam certamente a pensar: «Creio que também há lugar para uma espiritualidade dos agnósticos e dos não-crentes, daqueles que se colocam à procura da verdade porque não se satisfazem com respostas pré-fabricadas e definidas de uma vez para sempre. É uma espiritualidade que se alimenta da experiência da interioridade, da procura de sentido e do sentido dos sentidos, do confronto com a realidade da morte como palavra originária e da experiência do limite; uma espiritualidade que conhece também a importância da solidão, do silêncio e do meditar».

José Tolentino Mendonça

3 Comentários:

Às 15 de outubro de 2009 às 17:35 , Blogger Utilia Ferrão disse...

Bem dito, mas acho que esse peso morto que também é vida pode um dia vir a ser uma força na nosssa igreja,se nós provarmos e dermos exemplo de Cristo, penso eu.
É a primeira vez que passo por aqui.
Deixo aqui um peso vivo cheio de vontade e Força
Abraço grande

 
Às 21 de outubro de 2009 às 09:03 , Blogger joaquim disse...

Este texto fez-me pensar melhor nos "não praticantes", que são a meu ver, uma das missões mais importantes de evangelização.

Mas levou-me também a perceber que tendo vivido mais de 25 anos afastado de Deus, da fé e da Igreja, não deixei de ter inscritos em mim certos comportamentos e atitudes, que afinal eram a semente que um dia produziu fruto.

Claro que uma coisa, em meu entender, são os cristãos "não praticantes" bem intencionados, outra bem diferente são aqueles que se afirmam como tal para poderem fazer as suas declarações, sobretudo ao nível da politica, para terem alguma "credibilidade" quando falam da moral e dos costumes.

Gostei deste espaço e voltarei.

Abraço em Cristo

 
Às 28 de outubro de 2009 às 09:16 , Blogger oui c'est moi disse...

Obrigada José Tolentino pela sua sabedoria e rosto de uma Igreja mais aberta, que fica mais perto da linguagem e da forma de estar que nos é próxima.
Obrigada por incluir nas suas palavras a referência aos não praticantes que como eu se afastaram da Igreja enquanto instituição mas mantêm a sua espiritualidade no quotidiano através da meditação e da vivência de valores cristãos e humanisticos - a alegria e o amor.
São posturas como a sua na Igreja de hoje que nos aproximam, nos fazem regressar a um Cristo - comunidade. Fazem ter vontade de procurar outras posturas como a sua na Igreja.
São posturas com as quais nos identificamos, por não serem nem castradoras, nem moralistas, nem de hipocrisia subtil, nem de ressentimentos.
São posturas como a sua que são feitas de ar puro e de um pensamento de liberdade.
Só podia ser poeta, para além de padre.

Abraço,

Sara

 

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