19/05/11

A Bênção com que contam

A Igreja sempre se uniu aos estudantes neste dia fundamental. Neste ano, em particular, dirige-se àqueles que se abalançam numa incerteza sem precedentes

Foram milhares os finalistas que nas últimas semanas se vestiram a rigor para receber a Bênção dos seus Bispos, um pouco por todo o país. Em catedrais repletas, adros e outros locais públicos, ali se revigoram em esperança e entusiasmo.

Dia inesquecível na vida de muitos, interiorizam-na como a passagem para um novo ciclo, em ambiente de festa e muita emoção. De paixões fáceis, repletos de sonhos, que procuram hoje a sabedoria de toda uma vida ainda por viver, anseiam com legitimidade a realização. Mas será esta, mais do que qualquer outra, uma Bênção ao futuro incerto?

A Igreja sempre se uniu aos estudantes neste dia fundamental. Neste ano, em particular, dirige-se àqueles que se abalançam numa incerteza sem precedentes.

Com sentimentos de fé e esperança, mensagens de coragem e incentivo, apelos à confiança e persistência, muitos foram os prelados que recordaram o atual estado do país, não escamoteando as circunstâncias em que aqueles jovens iniciam o seu caminho, na insegurança do futuro, na magreza dos recursos.

Três apelos essenciais, assertivos e plenos de atualidade, merecem especial reflexão: o contributo de cada um para o bem comum, na procura da valorização individual em benefício de todos; a persistência da ousadia, capaz de se impor por uma convicção juvenil, que importa preservar; e, bem entendido por todos, a intervenção realista na procura de soluções, pela criatividade e empreendedorismo.

A Bênção une-os, pois, num desejo comum, de agradecimento, de apelo à coragem, de estímulo num desempenho idóneo. Incentivo de fé, que confere ao momento a sua dimensão cristã, muitos são os que vivem a Bênção pela tradição, mais do que pela convicção. Mas nem por isso ela perde o sentido. Sobretudo no atual contexto, é pois esta a Bênção com que contam, que os estudantes acolhem no compromisso com Deus, rogando-Lhe para cada um e para o futuro de todos.

Sandra Costa Saldanha





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10/05/11

Não contar só com a ganância do padeiro

Hoje são os próprios economistas a recordar-nos que temos de enriquecer as nossas existências por outros meios e em outras dimensões. Por exemplo, a espiritual

Um dos clássicos da economia moderna, Adam Smith, resumia desta maneira pragmática o funcionamento do sistema económico: devemos o nosso pão fresco diário não ao altruísmo do padeiro, mas à sua ganância. É graças à ambição do ganho, que os bens de que precisamos chegam às prateleiras dos supermercados. Esse dado é, de resto, comummente aceite e consensualmente aceitável.

O facto que hoje se coloca, sempre com maior urgência, é, porém, de outra natureza. Claro que não perde validade a justa expectativa de que a atividade laboral produza o seu lucro, mas o que se coloca às nossas sociedades é a questão da sua capacidade para resolver, ainda que de modo não completamente perfeito, os desequilíbrios que elas próprias geram e que ameaçam a sua preservação. Ora, este processo de reajuste e maturação do sistema não parece que possa ficar unicamente dependente daquilo que Adam Smith chamou “a ganância do padeiro”.

A difícil situação atual mostra-nos, sem margem para hesitações, como se tornou urgente e vital introduzir alternativas de fundo num campo que é económico e financeiro, mas também é humano e cultural. Nesse sentido, vale a pena olhar para os três pontos propostos recentemente por Tim Jackson, professor da Universidade de Surrey, que nos desafia a redefinirmos o que entendemos por prosperidade.

O primeiro ponto prende-se com a necessidade de nos consciencializarmos todos de que o crescimento económico tem limites. O segundo passa por aceitarmos distribuir os lucros não apenas segundo critérios financeiros, mas também em função de um benefício social e ambiental.O terceiro ponto diz-nos que é preciso mudar a lógica cultural dominante, que identifica prosperidade com enriquecimento material.

Hoje são os próprios economistas a recordar-nos que temos de enriquecer as nossas existências por outros meios e em outras dimensões. Por exemplo, a espiritual.

José Tolentino Mendonça





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03/05/11

Morte e vida de Wojtyla

Um homem inteiro foi beatificado. Metade do mundo reconheceu esse mérito na sua fé. Outra parte na sua dimensão de homem decisivo na evolução dum século.

Não é fácil falar de João Paulo II após três dias de convívio próximo. Andou a nosso lado por toda a Roma, no meio de nós, na música, nas imagens, nos grandes momentos, nos cartazes, nas frases, no sorriso, no grande gesto, com uma intimidade fraterna sem qualquer véu de permeio. E na imaterialidade de quem partiu há pouco. Desde a cripta donde saiu a urna, à Basílica junto do túmulo de S. Pedro, à grande Praça e arredores apinhada de povo, solenidade e festa, vida, morte e "ressurreição" dum homem comum e invulgar a quem muito foi dado e aos poucos tudo foi tirado: a voz, o rosto, o gesto, a feição.

Despojado como um Job, humilhantemente exposto naquela janela do seu gabinete onde lançou bênçãos, palavras doces e amargas, sorrisos e pombas de paz. E onde não conseguiu pronunciar a última Mensagem Pascal. Antes, foi um gemido "urbi et orbi" prenúncio duma morte acompanhada no exterior pelos jovens que o visitaram quando ele já não podia chegar junto deles.

Um homem que veio de longe, do leste e do frio e trouxe ar do outro pulmão da Europa. Um homem forte que não ocultava a própria fragilidade. Com a referência constante a Deus e a dimensão permanente do homem. Atento ao mundo do trabalho e da contemplação. Senhor da palavra e do gesto profético e das mãos frágeis que quase não abriam a porta do ano 2000. Defensor da vida não apenas no primeiro e no último momento mas em todos os tempos e lugares onde se joga a dignidade de cada ser humano. O homem - a grande causa defendida nos templos e nos areópagos.

Um poeta de Deus que não perdeu nunca a dimensão doutrinal do seu ministério e a exigência da teologia actualizada. Um impulsionador do Concílio que nunca deixou de o amar, mesmo nas interpretações fantasiosas de alguns teólogos e pastoralistas. Um respei-tador profundo da oração litúrgica, sabendo sempre como a encarnar nas culturas de África, Ásia ou Américas. Um homem severo na exigência e pródigo no uso e proclamação da misericórdia.

Um duplo visitador de Assis na celebração da sua universalidade, onde não teve medo de rezar pela paz ao lado dos representantes das religiões do mundo. Um devoto de Fátima como o mais humilde peregrino que se não perde em preciosismos teológicos mas apenas, como as crianças crê, adora, espera e ama. Um testemunho e vítima das maiores ditaduras do século XX ao mesmo tempo que um crente profundo na liberdade do homem.

Um homem inteiro foi beatificado. Metade do mundo reconheceu esse mérito na sua fé. Outra parte na sua dimensão de homem decisivo na evolução dum século. Homem de Deus. Homem dos homens. Karol Wojtyla. João Paulo II. Beato. Na felicidade de Deus. Para, noutra dimensão, venerarmos tudo o que foi e, na nova vida, continua a ser.
António Rego


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