Ter voz
Ter voz não é sinónimo de ter razão ou de dizer algo que valha a pena reter. Mergulhados num mundo em que a informação nos bombardeia a todo o momento, falta muitas vezes o discernimento para separar o essencial do acessório e levar o diálogo para as questões de fundo.
A responsabilidade, neste caso, não é apenas de quem informa, até porque essa relação quase estática entre transmissor e receptor na comunicação praticamente desapareceu no tempo do multimédia e das novas tecnologias. Se há folhetins que são alimentados durante dias a fio é porque há “audiência” para os mesmos, ainda que seja só para criar mais confusão e desentendimentos.
Por mais democrática que seja a nossa sociedade, nem todas as vozes são iguais. É uma situação de facto, que implica responsabilidade acrescida para quem sabe que terá sempre prontos para si os holofotes mediáticos, por convicção, por interesse ou apenas pelo inusitado das suas posições.
Sair deste turbilhão e procurar um ponto de equilíbrio que ajude a colocar as coisas no seu lugar e a relativizar as modas do momento é uma missão difícil, mas essencial.
À margem de toda a espuma mediática destes dias, no nosso país, encerrou-se no Vaticano o II Sínodo dos Bispos para a África, do qual saiu claramente a ideia de que este continente tem uma voz própria e muito a dizer sobre as opções que definirão o seu futuro imediato.
O trabalho quase inquantificável de milhões de católicos em território africano só é notícia, praticamente, quando há temas polémicos pelo meio. Ao renovar a sua esperança no que a África é capaz de fazer e procurar distanciar-se das imposições ideológicas do Ocidente, os Bispos mostraram que é possível viver sem a meta da exposição internacional ou do aplauso da opinião dominante.
Ter voz, neste caso, significa falar a quem mais precisa, aos que foram “exilados” pelo galopante processo de globalização e colocados à margem do que seria um nível de vida minimamente condigno para o mundo do século XXI.
A voz da Igreja fez-se ouvir, por isso, neste Sínodo, levada desde África ao Vaticano e desde aí lançada ao mundo, porque a mudança desejada pelos africanos exige alterações profundas em todo o cenário global, que tende a menorizar as potencialidades deste continente, que muitos ainda teimam em ver à luz de preconceitos e imagens estereotipadas que tardam em desaparecer. Bastará dar voz a quem mais a merece.
Octávio Carmo
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