25/09/12

No labirinto da crise

«A Humanidade só pode crescer como um todo» e «esse todo não é apenas material, mas sobretudo espiritual e cultural» Procuram-se soluções. Desejam-se certezas sobre o amanhã. É grande a vontade de ter respostas, de saber, sem rodeios nem enganos, o que fazer e com o que contar. Poucas vezes, porém, se murmuram interrogações sobre o sentido das coisas e da vida, sobre o ser pessoa neste tempo, as razões para ser mais e melhor todos os dias. Os problemas sociais e económicos, individuais e da sociedade, parecem fazer esquecer o essencial da existência, aquilo que não se contabiliza em folhas de cálculo ou em listagens de estatísticas. Sem esquecer a necessária luta pela justiça social e pela conquista da dignidade de vida para todas as pessoas, é preciso primeiro clarificar as questões que derivam da procura do sentido da vida, do valor dado a cada momento e das motivações imediatas e últimas. Só posteriormente se podem encontrar soluções para os problemas de âmbito económico e social. José Mattoso, na recolha de artigos e conferências em torno do tema da sabedoria, publicados no livro “Levantar o Céu – Os labirintos da Sabedoria”, responde a estes dois grupos de questões. Este volume, fundamentado na investigação da História e na profundidade espiritual do autor, oferece um quadro interpretativo do momento presente, informa sobre as opções civilizacionais que lhe deram origem e aponta para as necessárias mudanças de rumo. Nestas páginas, sim, encontram-se as soluções para os problemas do amanhã, aqueles que todas as pessoas anseiam ver resolvidos. Mas com surpresas. “A Humanidade só pode crescer como um todo” e “esse todo não é apenas material, mas sobretudo espiritual e cultural”, sustenta o autor. Para “encontrar a saída do labirinto em que a vida nos coloca”, José Mattoso sugere a procura do “desenvolvimento espiritual, cultural e solidário, orientado para o progresso integral do homem e não apenas para o benefício de uma minoria egoísta, irresponsável e predadora”. Como o conseguir? – a resposta é do historiador: “Creio que a perspetiva meramente ética, cívica e laica acerca do valor do princípio da cidadania como fator de desenvolvimento humano é ineficaz. Encerra os cidadãos num plano limitado e material, e este torna-se inoperante para neutralizar a tendência egoísta e gananciosa do homem. Se queremos manter a esperança num futuro melhor para a Humanidade temos de recuperar a noção do sagrado”. A celebração do Ano da Fé pode oferecer uma ocasião de excelência para essa recuperação da “noção do sagrado” na procura de um futuro melhor para a Humanidade. Paulo Rocha

VER [+]

18/09/12

Cultura da oportunidade

Em contexto ainda excessivamente marcado por poderes instituídos, direitos adquiridos, o favorecimento ultrapassa a idoneidade Não seria problemático, nos dias que correm, eleger um tema para reflexão, insistir nas dificuldades atuais ou nas suas imensas nuances. Sublinho apenas uma: a negação da oportunidade. Não de uma hipotética nova oportunidade, que os tempos inibem, mas daquelas que vão surgindo. Silenciosa forma de precaridade, com custos danosos para pessoas e instituições, depressa anulam eventuais ganhos. Causadora de indivíduos suscetíveis, sem alento e esperança, não atinge apenas o estereótipo do jovem recém-formado. Vivemos o cúmulo do problema, englobando gerações de 20, 30, 40 e 50 anos… Mesmo em tempo de raras alternativas, pesa muito a arbitrariedade de ser preterido, a negação da esperança num sistema imparcial. Em contexto ainda excessivamente marcado por poderes instituídos, direitos adquiridos, o favorecimento ultrapassa a idoneidade. Opta-se pela força da influência, pela segurança do conhecido, do amigo necessitado, evitando-se o risco da novidade. Porque escasseiam os concursos verdadeiramente públicos, as avaliações curriculares e o reconhecimento do mérito? E a ocasião está lá, mas falha essa cultura da oportunidade, da isenção e da aposta na competência. É, antes do mais, um exercício de consciência ética, de equidade e decência. E bem pensado, quanta responsabilidade temos assistindo tácitos a pequenas concessões destas? Um exíguo combate ao alcance de muitos, de todos quantos podem promover uma qualquer medida concreta. Haja para isso a integridade de ser coerente na ação. Sandra Costa Saldanha

VER [+]

11/09/12

Por uma nova comunicação

A nossa interioridade é colonizada e tornamo-nos cada vez mais dependentes dos flashes de ideias, imagens e ruídos que se sucedem em nosso redor. A comunicação massificada e omnipresente, como a que atravessa grande parte dos nossos quotidianos, sacrifica duas vítimas em que nem sempre pensamos: a palavra e a interioridade. A palavra é tão vital à expressão de nós próprios, é tão indispensável à relação, que a sua aprendizagem se prolonga, na nossa formação, por longos anos. Ela confunde-se com a descoberta de nós próprios. Por ela debruçamo-nos com confiança sobre o vasto mundo. A arte de falar torna-se, por isso, com toda a justiça, uma arte de ser. Mas nós vivemos submersos num mundo de palavras manipuladas, esvaziadas de verdadeiro sentido, desresponsabilizadas. Num mundo de palavras exaustas, exiladas de si mesmas, inflacionadas. O próprio uso que se faz da palavra a desmente e deforma, tornando-a contraditória, ambígua e, por fim, irrelevante. As nossas sociedades precisam urgentemente de reencontrar uma ética para a palavra. Não podemos aceitar que o pacto da palavra com a verdade e com o sentido seja quebrado, sem nenhum tipo de consequências. Na miséria da palavra o que está em jogo é um empobrecimento da experiência humana. O homo comunicans que somos, inscritos nesta cultura de hipercomunicação, vê também a sua interioridade ameaçada. A realidade, a do mundo e a nossa, vai sendo reduzida a uma falsa noção de transparência, onde tudo é dito e mostrado, frequentemente em tempo real. Quando nos ensurdecem tantas vozes e fantasmas, perdemos a capacidade de ouvir a voz interior e de sermos nós próprios. A nossa interioridade é colonizada e tornamo-nos cada vez mais dependentes dos flashes de ideias, imagens e ruídos que se sucedem em nosso redor. Precisamos de contrariar este movimento de demissão, reencontrando uma arte de pensar; recuperando uma atenção mais crítica em relação ao que nos é servido a toda a hora; construindo espaços de distanciamento favoráveis ao silêncio e à reflexão; investindo numa escuta que não aceita ficar comodamente à superfície, mas assume, como tarefa, a interrogação humilde pela verdade. José Tolentino Mendonça

VER [+]

04/09/12

Onde o tempo é outro

Estes idosos - mas é de idosos a aldeia - estão sem agenda nem calendário, como se lhe tivessem alterado os dias As férias trouxeram-me à serra. É certo que, por razões familiares, por aqui passo com muita frequência; mas as férias permitiram duas semanas de presença, traduzidas em conversas mais longas e observação mais paciente. Vi o óbvio: uma população envelhecida, passeando achaques e olhares tristes. Muitos, procurando na memória nomes e acontecimentos para alimentar diálogos. Num passeio a meio da manhã, o cenário é o mesmo todos os dias: do interior das casas escorre o som das rádios ou televisões. O volume demonstra as dificuldades de audição dos moradores. Alguns assomam ao patamar das escadas, para ver se passa vizinho com quem possam trocar frases doridas. Fui, nestes dias, ouvinte disponível; e confesso que, de tanto ouvir, sinto uma neblina incómoda a perturbar-me o olhar. É que estas pessoas sentem-se afastadas de tudo e esquecidas por quem as devia lembrar...Mas confessam-no com a resignação de quem parece ter abdicado de todos os direitos. “Que é que a gente há de fazer? Eles é que mandam!” No pronome estão todos os que governam; do mais próximo ao mais distante e decisivo escalão do poder. Mal lhes sabem os nomes e não percebem que mal lhes fizeram para “não ligarem nada à gente”, nem explicarem porque “levam tudo cada vez para mais longe”. Uma senhora, que quase andou comigo ao colo, faz a declaração mais agressiva: “O diabo carregue essa gente, que só nos deixa o cemitério!...” Quem me lê pode estar tentado a afirmar que carrego nas tintas. Olhem que não; olhem que não. Pelo contrário, respeito o pudor da maioria que faz do encolher de ombros a forma mais visível de manifestar o que lhe vai na alma. Estes idosos - mas é de idosos a aldeia - estão sem agenda nem calendário, como se lhe tivessem alterado os dias. “Até o domingo passou para o sábado à tarde”, comenta o ti António, que não vê modo de se habituar ao novo horário das missas que o pároco teve de adotar, para servir diversas paróquias. Quando converso com ele, a televisão da cozinha mostra o “Verão total” em Lousada e um carpinteiro artesão explica trabalhos expostos sobre uma mesa. “Está a ver aquilo ali? Vai uma aposta em como mais de metade dessa malta que para aí anda a mandar na gente não acertava dois nomes seguidos de uma alfaia agrícola? E nós é que somos os parolos!” Vou regressar a Lisboa, com a neblina que acima confessei. Com a certeza de que, daqui a uns meses, nada terá mudado para melhor. Mas também com uma outra certeza: a resistência e o orgulho desta gente ofereceu-nos um país que era bom preservar... Por isso lhes dedico este texto, escrito encostado a um bloco de granito, num pedaço de terra onde o tempo é outro. João Aguiar Campos

VER [+]

Um projeto que nasce

Ainda em tempo de férias, novos “Caminhos da Fé” se delineiam. Proposta integrada de fruição do património cultural religioso, articula elementos singulares, de expressiva preponderância devocional, cultural e artística, concebidos como instrumentos de Fé e memórias vivas das comunidades. Projeto assente na promoção de destinos de motivação devocional, centrado nas diversas dinâmicas e vivências religiosas, pretende converter itinerários turísticos em experiências únicas e contextualizadas, espiritualmente mais profundas, muito além da simples dimensão formal da obra de arte religiosa, como mero instrumento de apreciação estética. Como já noutro local se disse, compete-nos potenciar a sua fruição legível, oferecer meios de acesso à sublimidade das formas, a crentes e não crentes, comunicantes de uma experimentação única. Sandra Costa Saldanha

VER [+]