Falar do que se sabe
O atual estado de coisas leva muita gente a escrever e a falar sobre o que não sabe Um mundo em constante mutação, que gira a elevadas rotações, tem vindo a fazer cada vez mais do conteúdo informativo uma forma de entretenimento passageiro, para ir preenchendo o tempo nos intervalos das coisas verdadeiramente importantes que cada um tem para fazer nos seus dias. Muitos querem saber mas, segundos depois, poucos são os que se lembram. As próprias opções editoriais são condicionadas por este novo mundo, em que o jornalista desiste do seu papel de mediador e oferece às ‘audiências’ a decisão sobre o que deve publicar, sobre os temas que deve investigar e sobre as matérias a privilegiar. A pressão, reconheça-se, é enorme: há uma obrigação sistemática para não se deixar passar em claro nada do que é publicado e oferecido às pessoas, sob pena de, supostamente, se perderem leitores, ouvintes, espetadores ou, como muitos os veem, clientes. Os resultados finais são cada vez mais parecidos, retirando espaço às marcas que tornavam únicos – identificáveis, diria – os diferentes meios de comunicação. Neste quadro, vemos que a opção por não publicar notícias exige tanta ou mais coragem do que a decisão de as publicar – a reação de proprietários, diretores, editores e mesmo leitores é habitualmente rápida e impiedosa. A verdade, contudo, é que o atual estado de coisas leva muita gente a escrever e a falar sobre o que não sabe. Publica-se, sem qualquer investigação própria, o que o Vaticano diz e faz, por exemplo, com uma certeza que em momento algum é sequer questionada. Não sei quanto tempo mais vai durar a saga do ‘Vatileaks’, mas espero que a novela acabe depressa. Admito, por outro lado, que a resposta a esta situação por parte dos responsáveis da Igreja Católica nem sempre seja a mais adequada, com uma ‘diabolização’ do jornalismo que abre guerras e alimenta preconceitos, tornando mais difícil a missão de quem procura traçar um quadro nítido e honesto das situações. Mesmo quando se assumem posições em defesa do Papa e dos seus colaboradores, é preciso saber do que se fala. Octávio Carmo
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