26/06/12

Falar do que se sabe

O atual estado de coisas leva muita gente a escrever e a falar sobre o que não sabe Um mundo em constante mutação, que gira a elevadas rotações, tem vindo a fazer cada vez mais do conteúdo informativo uma forma de entretenimento passageiro, para ir preenchendo o tempo nos intervalos das coisas verdadeiramente importantes que cada um tem para fazer nos seus dias. Muitos querem saber mas, segundos depois, poucos são os que se lembram. As próprias opções editoriais são condicionadas por este novo mundo, em que o jornalista desiste do seu papel de mediador e oferece às ‘audiências’ a decisão sobre o que deve publicar, sobre os temas que deve investigar e sobre as matérias a privilegiar. A pressão, reconheça-se, é enorme: há uma obrigação sistemática para não se deixar passar em claro nada do que é publicado e oferecido às pessoas, sob pena de, supostamente, se perderem leitores, ouvintes, espetadores ou, como muitos os veem, clientes. Os resultados finais são cada vez mais parecidos, retirando espaço às marcas que tornavam únicos – identificáveis, diria – os diferentes meios de comunicação. Neste quadro, vemos que a opção por não publicar notícias exige tanta ou mais coragem do que a decisão de as publicar – a reação de proprietários, diretores, editores e mesmo leitores é habitualmente rápida e impiedosa. A verdade, contudo, é que o atual estado de coisas leva muita gente a escrever e a falar sobre o que não sabe. Publica-se, sem qualquer investigação própria, o que o Vaticano diz e faz, por exemplo, com uma certeza que em momento algum é sequer questionada. Não sei quanto tempo mais vai durar a saga do ‘Vatileaks’, mas espero que a novela acabe depressa. Admito, por outro lado, que a resposta a esta situação por parte dos responsáveis da Igreja Católica nem sempre seja a mais adequada, com uma ‘diabolização’ do jornalismo que abre guerras e alimenta preconceitos, tornando mais difícil a missão de quem procura traçar um quadro nítido e honesto das situações. Mesmo quando se assumem posições em defesa do Papa e dos seus colaboradores, é preciso saber do que se fala. Octávio Carmo

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20/06/12

Fé, Turismo e Património: um inevitável diálogo intercultural

É essencial recuperar uma valência de fruição integrada e interpretação legível Conscientes da crescente importância do património religioso, como um dos recursos turísticos mais relevantes em todo o mundo, importantes sinais têm sido dados pela Igreja em Portugal, que reforça agora a sua intervenção nesta área, com a revitalização da Obra Nacional da Pastoral do Turismo. Assente num vastíssimo universo de atuação, de expressiva preponderância devocional e patrimonial, importa, pois, saber valorizar e promover tão precioso legado, à luz de um efetivo serviço pastoral e contributo atuante da própria missão da Igreja, muito além da sua simples fruição cultural. Sem descurar o rigor de uma análise fundamentada, a cargo de especialistas e dirigida à compreensão profunda das obras, é essencial recuperar uma valência de fruição integrada e interpretação legível. Enfim, promover cada manifestação, concebida como instrumento de Fé e memória viva das comunidades, na sua autenticidade e significado original. Evidenciando a experiência do sagrado, a inspiração e a mensagem intrínseca em cada expressão ou vivência religiosa, em cada monumento ou obra de arte, há pois que potenciar recursos, saber partilhá-los e oferecê-los a todos como momentos únicos e espiritualmente mais profundos, muito além da simples dimensão formal da obra de arte, como mero instrumento de apreciação estética. Creio ser este, sem dúvida, um dos contributos mais aguardados. Sandra Costa Saldanha

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12/06/12

A alegria do futebol

Em raros momentos simbólicos se sentem os países assim em uníssono, revendo-se completamente no esforço e no génio de uns poucos “Às vezes o futebol é uma alegria que dói”. Sábado à noite não houve português que não sentisse na carne esta verdade que o escritor Eduardo Galeano assinou, mas esse é apenas um dos sentidos possíveis que a frase tem. O futebol ganhou, de facto, a função representativa que, em outros períodos da história, pertenceu, por exemplo, também ao teatro ou às artes, conseguindo, no estilhaçado panorama das nossas sociedades, convergências que se diriam improváveis. Tornou-se habitual o encontro de despedida da equipa com o presidente da República, numa espécie de investidura civil: eles são os nossos, eles somos nós. Em raros momentos simbólicos se sentem os países assim em uníssono, revendo-se completamente no esforço e no génio de uns poucos, galvanizados pelo seu sucesso ou solidários nas suas derrotas. Mas seria injusto reduzir a festa do futebol à matemática imediata dos resultados. Ele é “uma alegria que dói” por que é uma alegria verdadeira. Para lá desse papel de polarizador das paixões (e das frustrações) sociais, o futebol vale por si. Ele dá a ver o jogo, a surpresa do movimento, a cartografia rápida do encontro e do contraste, o avanço, a finta ao obstáculo, a estratégia dos passes, a dança inteligente dos corpos, a leveza que pode ter a alegria. Dá a ver a relação criativa entre o indivíduo e o grupo, entre os talentos individuais e a mecânica do conjunto, instituindo práticas de cooperação onde a disciplina e o improviso frequentemente se aliam. Ele dá a ver a força e a vulnerabilidade, o cálculo e o risco, a solidão e o júbilo. Nestes dias tem-se também falado da riqueza e dos estilos de vida de alguns profissionais do futebol. O que se diz sobre eles não pode ser senão o que se aplica a todos, em iguais circunstâncias. Lembrando que tão mau como a exibição exorbitada da riqueza é o sacrifício do escasso tempo que lhes resta à sociedade de consumo, vendendo carros, roupa ou bancos. Dá que pensar o que Galeano escreve: “ao fim e ao cabo, isso só prova que este mundo é tão absurdo que tem até escravos milionários”. José Tolentino Mendonça

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11/06/12

Dolorosas realidades

As crianças não estão, de todo, no centro da agenda política, de modo que se fomente a defesa dos seus direitos Celebrou-se, no passado dia 25 de maio, o Dia das Crianças Desaparecidas. O mês de junho abre, entretanto, assinalando, entre nós e em muitos outros países, o Dia Mundial da Criança. À força de repetidas, as efemérides correm o risco de comemorações rotineiras, preservando essencialmente o seu caráter mais lúdico. As circunstâncias aconselham, contudo, a não se desprezar qualquer simples oportunidade de chamar a atenção para dolorosas realidades: aumenta o número de crianças vítimas de maus tratos e abandono e, em 2011, o telefone europeu disponível em 16 países para reportar crianças desaparecidas registou mais de três mil pedidos de ajuda. Em Portugal, no mesmo período, a Polícia Judiciária terá anotado cerca de 1500 destes casos. Se acrescentarmos as estatísticas respeitantes ao aborto, à seleção pré-natal e as vítimas da miséria, das guerras e do trabalho infantil, a dimensão do problema ganha ainda mais violentos contornos. Os números são o que são. Sendo a evidência de conflitos familiares, mostram fundamentalmente que as crianças não estão, de todo, no centro da agenda política – de modo que se fomente a defesa dos seus direitos e se combatam, sem adiamentos nem indesejáveis protecionismos, todas as formas de abuso de que são alvo. Não o fazer, sem tréguas, é péssimo sintoma, uma vez que «o respeito pelos direitos humanos das crianças constitui um dos parâmetros da saúde de uma sociedade» - como sublinhou D. Silvano Tomasi, em representação da Santa Sé, numa sessão do Conselho Sobre os Direitos do Homem. Vale a pena citar, dessa mesma intervenção: «A meta da eliminação da violência contra as crianças e da promoção de um contexto construtivo e sadio para o seu desenvolvimento exige que o Estado e a sociedade ajudem concretamente a família, tornando-a capaz de desempenhar a tarefa que lhe é própria. Com efeito, uma maneira vital de se opor à vulnerabilidade das crianças consiste em fortalecer as famílias em que as mesmas são chamadas a crescer, a desenvolver-se e a serem formadas como cidadãos responsáveis e produtivos nas suas comunidades locais e no conjunto da sociedade». Neste trabalho estão claramente envolvidos milhares de instituições da Igreja Católica que, juntamente com a família, a escola e outros responsáveis pela vida em sociedade não podem poupar-se a esforços para que todas as crianças tenham um mundo melhor; sejam consideradas plenamente pessoas humanas e não objetos manipuláveis. Elas têm o direito de ser amadas sem utilitarismos e viver, felizes, a idade de ter pássaros no coração. Padre João Aguiar Campos

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