30/05/12

Nós somos católicos

Tantos «dias de» onde é possível - e preciso - reclamar a afirmação «Nós somos católicos» e exigir a presença, a participação, o compromisso! A mobilização virtual em torno de um slogan foi imediata: um vídeo espalhado pelas redes sociais, partilhado repetidamente e recomendado entre amigos fez de uma certeza – “Nós somos católicos” – uma sintonia global entre os que concretizam a experiência do cristianismo numa família, a da Igreja Católica. A afirmação é traduzida por muitas imagens, pela poesia, pela evocação do empreendedorismo de pessoas e organizações, a inovação humanizante em cada época na saúde, na educação, na assistência. Tudo à escala global e a cada passo comprovada pelas referências constantes, em ruas e cidades, a figuras maiores desta família. Em dois minutos, o filme percorre mais de 2000 mil anos de História, evoca grandes feitos e criações e provoca convergências espontâneas entre povos de qualquer canto do mundo para uma certeza: todos estamos unidos a uma Pessoa, Jesus Cristo. Diante de qualquer caos, é essa convicção que permite a permanência: a da Igreja e a de muitos nessa família. Existe entre todos um denominador comum que permite somar ou subtrair, acrescentar ou tirar, mas nunca dividir. A memória deste vídeo, que qualquer motor de pesquisa traz ao ecrã, acontece no contexto de iniciativas que, em todos os tempos e com particular incidência nestes dias, ocorre no nosso “jardim à beira mar plantado” e que reclamam, dos que pertencem a esta grande família, a afirmação clara e convicta de que “Nós somos católicos”. Abundam as oportunidades para o fazer, nas dioceses que se reorganizam ou nos projetos que inovam. Basta seguir as propostas que fazem convergir núcleos desta família para um “Dia da Diocese”, “Dia da Juventude”, “Dia da Família”, “Dia das Comunicações Sociais”… Tantos “dias de” onde é possível – e preciso - reclamar a afirmação “Nós somos católicos” e exigir a presença, a participação, o compromisso! Não menor é o desafio que recai sobre os promotores de qualquer convocatória. Num contexto social cruzado de eventos e convites é urgente a reformulação de propostas e a qualificação de todos os projetos, mesmo os que acontecem em família. Só dessa forma será possível dizer não apenas “Nós somos católicos”, mas acrescentar com confiança e a todas as pessoas “Bem-vindo à tua casa!” Paulo Rocha

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23/05/12

Começar do telhado

A dinamitação das estruturas familiares, por motivos económicos e ideológicos, não augura nada de bom para o futuro da humanidade. A situação delicada em que se encontram vários países, face à atual crise económica e financeira, tem tido consequências muito pesadas nas suas populações e reconfigurado, significativamente as dinâmicas e os projetos familiares de centenas de milhões de pessoas. A reflexão lançada pela Igreja Católica, no contexto do próximo Encontro Mundial das Famílias, afigura-se como particularmente relevante num momento em que “especialistas” e governos parecem firmemente determinados em resolver as questões começando pelo telhado e esquecendo o mundo real das pessoas. Seja por interesses inconfessados/inconfessáveis, seja por mera incompetência, grande parte das receitas aplicadas tem tido a preocupação de preservar a posição de uma minoria privilegiada e tem vindo a acentuar, como se vê em Portugal, um sentimento de desesperança e de injustiça, perante o sofrimento a que são sujeitos aqueles que menos responsabilidade tinham no despoletar desta crise especulativa. Ao evocar o tempo livre, num tempo em que o ser humano é visto cada vez mais como um ‘bicho de produção’, a Igreja oferece um contributo essencial para defender as famílias contemporâneas, a instituição que é a prioridade da vida dos seus membros. O trabalho é mais do que uma forma de obter uma remuneração e, na doutrina católica, ajuda mesmo a dignificar e a dar sentido à vida, mas não pode, em momento algum, transformar-se numa tirania, no elemento central do quotidiano, sem contrapartidas nem alternativas. Aguardam-se com expectativa os testemunhos de quem vai participar no encontro de Milão, os seus sonhos, as suas esperanças, as suas dificuldades e revoltas, os casos de sucesso na capacidade de conciliar as várias interpelações que, cada vez mais, todos recebemos nestes tempos difíceis. Em particular, esperam-se intervenções fortes de Bento XVI para recordar o essencial a quem governa esta crise, demasiado preocupado com as telhas e esquecido dos fundamentos, porque a dinamitação das estruturas familiares, por motivos económicos e ideológicos, não augura nada de bom para o futuro da humanidade. Octávio Carmo

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18/05/12

Na terra prometida

Foi em plena apresentação do próximo Dia Mundial das Comunicações Sociais, em Lisboa, que chegou a notícia da morte do Padre Pierre Babin. Foi em plena apresentação do próximo Dia Mundial das Comunicações Sociais, em Lisboa, que chegou a notícia da morte do Padre Pierre Babin. Ali se ouviu, breve mas sentido, o primeiro comentário do cónego António Rego, mais tarde prolongado em entrevista à Ecclesia – homenageando uma figura “visionária” com quem aprendeu a usar a linguagem televisiva de uma forma “sintética e simbólica” e a transmitir ao público “o transcendente de cada situação, sem nunca negar o seu conteúdo”. Na celebração da missa de corpo presente, o atual diretor do CREC (Centre de Recherche et d’Éducation en Communication) que o Padre Babin fundou, falou dele como padre, profeta e amigo. Mas a referência até agora mais completa recolhi-a num texto de Robert Molhant, intitulado “Pierre Babin,o.m.i. De la voie catéchiste à la voie symbolique”. São15 páginas que nos ajudam a seguir o itinerário de um admirável especialista em comunicação, que terminam reproduzindo um texto de Pierre Babin, escrito em 15 de dezembro de 2005, como cartão de Natal. Intitula-se “La Terre Promise”. Traduzo-o, acreditando que o padre Babin já ali habita, no êxtase que é, afinal, a incapacidade/utilidade das palavras: «A vida é uma longa viagem para a Terra Prometida. A publicidade diz-te: a terra prometida é aqui ou ali; compra esta ou aquela. Compra, mas não acredites. A terra prometida não existe senão nas tuas profundezas. Entra em ti de modo tão profundo que te tornes universal. Assim é a terra prometida, quando todas as nações serão abençoadas em ti. Não porque as tenhas dominado ou colonizado, mas porque as farás nascer no teu coração. A terra prometida não é o sucesso das ideologias, mas o sucesso da mistura: mistura de imagens e de livros; de africanos e asiáticos; do tam-tam e de Mozart; de cores e músicas. Na idade da Internet e do audiovisual, perderão a sua supremacia os brancos e as palavras escritas nos livros. Ricos e pobres comerão no Carrefour. Budistas, cristãos e muçulmanos reconhecer-se-ão dedos diferentes da mesma mão; rostos imperfeitos do mesmo Deus. Então se cumprirá o Natal, Deus com ele e Deus connosco. Chegará então a terra anunciada da Aldeia global e a unidade revelada do homem e da mulher. Não mais haverá fronteiras, nem “man’s land”, nem céu, nem inferno; mas montanhas e planícies debaixo do sol. A unidade não nascerá por exclusão, mas pela diversidade. Em cada encruzilhada, as diferenças mostrarão a juventude da vida eterna. A mistura eletrónica é uma pálida imagem da terra Prometida quando Som, Palavra e Imagem se casam. Aprender a misturar é o sentido da vida. O enorme ruído dos povos e das guerras atómicas anuncia o fim de um mundo de nações e raças. Irmãos e irmãs, este velho mundo não pode manter as suas fronteiras. Não era preciso inventar a Internet. Paz sobre a terra! Unidade na diversidade! Na mudança de ano, que o Espírito nos una no grande combate da Terra Prometida!» João Aguiar Campos

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16/05/12

Fraternidade operativa

Apontar o dedo ou o olhar é demasiado pouco para quem deve empenhar-se em estender o braço ou dar a mão «Não devemos ter medo de sujar as mãos, ajudando os miseráveis da terra: para que servirá ter as mãos limpas, se as temos no bolso?» A pergunta, feita em Fátima pelo cardeal Ravasi no passado fim de semana, foi eleita “frase do dia” por um matutino de segunda-feira. Não resisto também a ela regressar neste espaço, por me sentir pessoalmente interpelado a viver aquilo a que o cardeal italiano chamou de “caridade operativa”. É, de facto, uma tentação vulgar assumir, como suficiente, o mero estatuto de observador dos problemas. Ou, quando muito, de membro de uma equipa de diagnóstico – deixando para outros o trabalho da cura e do acompanhamento….(Numa hipótese mais piedosa, ainda se chega ao cuidado de encomendar a Deus a delicadeza da tarefa). Apontar o dedo ou o olhar é demasiado pouco para quem deve empenhar-se em estender o braço ou dar a mão. Só assim corresponde à “caridade operativa” de estar no terreno, fazendo o que se pode fazer – com a humildade generosa de quem sabe que o milagre o ultrapassa. Arriscando. Vale a pena recordar Tiago (2,15-16): «Se um irmão ou uma irmã estiverem nuns e lhes faltar o alimento de cada dia e se um de vós lhes disser: “ ide em paz, aquecei-vos e alimentai-vos”, sem lhes dar o que é necessário para o corpo, que lhes aproveitaria?». Com o devido respeito, há aqui um profundo desafio à conversão. Uma conversão que nos torne clara a nossa própria responsabilidade e nos desassossegue de um cristianismo de “pena” ou de consumo privado; que trata a igreja como uma espécie de Loja de Conveniência para necessidades pessoais de última hora, ou um supermercado de cujas prateleiras se recolhe apenas o que apetece comer já ou congelar. Este é um cristianismo voluntariamente clandestino, que nunca será fermento. E que apenas será combatido quando deixarmos de dizer «estive para…» e podermos dizer, com verdade, «intervim». Urge a coragem cristã de contrastar, estando presentes nas circunstâncias e nelas agindo, sem medo e com generosidade; com humildade e convicção, procurando a justiça e a paz. Realmente, «o verdadeiro apóstolo procura todas as ocasiões anunciar Cristo»: na família, no emprego, na ação social, política e sindical, etc, etc. E sabe que a atenção privilegiada aos mais pobres é critério e energia para a salvação do mundo e que a promoção humana é parte integrante da evangelização. Sem esquecer, evidentemente, que «a evangelização tem, no seu centro, o anúncio explícito de que Deus nos dá a salvação em Jesus Cristo, crucificado e ressuscitado». João Aguiar Campos

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09/05/12

O elogio do silêncio

Mesmo que construamos a palavra como uma torre, temos de aceitar que ela (...) muitas vezes nos incapacita para a comunicação Quando penso no contributo que a experiência religiosa pode dar num futuro próximo à cultura, ao tempo e ao modo da existência humana, penso que mais até do que a palavra será a partilha desse património imenso que é o silêncio. Já a bíblica narrativa de Babel ponha a nu os limites do impulso totalitário da palavra. Mesmo que construamos a palavra como uma torre, temos de aceitar que ela não só não toca cabalmente o mistério dos céus, como muitas vezes nos incapacita para a comunicação e a compreensão terrenas. Precisamos do auxílio de outra ciência, a do silêncio. Já Isaac de Nínive, lá pelos finais do século VII, ensinava: «A palavra é o órgão do mundo presente. O silêncio é o mistério do mundo que está a chegar». Na diversidade das tradições religiosas e espirituais da humanidade, o silêncio é um traço de união extraordinariamente fecundo. Na tradição muçulmana, por exemplo, o centésimo Nome de Deus é o nome inefável que não pode ser rezado senão no silêncio. Os místicos não se cansaram de explorar essa via. Veja-se o persa Rûmi (1207-1247) que aconselha ao seu discípulo: «Àquele que conhece Deus faltam-lhe as palavras». Noutra geografia temos a anotação espiritual de Lao-Tsé, «o som mais forte é o silencioso», ou a de Bashô, «silêncio/ uma rã mergulha/ dentro de si», ou a de Eléazar Rokéah de Worms, cabalista judeu que afirmava: «Deus é silêncio». Também a Bíblia coteja minuciosamente o silêncio de Deus. E este nem sempre é um silêncio fácil, mesmo se somos chamados a acreditar na verdade do dístico que nos oferece o Livro das Lamentações: «É bom esperar em silêncio a salvação de Deus». O silêncio de Deus fustiga os salmistas: «Ó Deus, não fiques em silêncio; não fiques mudo nem impassível!» (83,2); leva Job a erguer-se numa destemida teologia de protesto; e faz o inconformado profeta Habacuc dizer: «Tu contemplas tudo em silêncio» (Hab 1, 13). O silêncio do Pai será particularmente enigmático na agonia no Getsémani e na experiência da Cruz, onde Jesus lança o grito: «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?». Contemplamos neste grito o mistério de Deus e o do Homem no mais devastador silêncio que o mundo conheceu. Contudo, é no lancinante silêncio que sucede ao seu grito que reside a revelação pascal de Deus. José Tolentino Mendonça

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02/05/12

«Sinto-me amputado»

Quando se fala em Nova Evangelização vem a propósito assumir o compromisso de evangelizar o social A reestruturação da empresa onde trabalhava colocou um amigo de longa data no desemprego. As condições da saída e a estrutura familiar constituem uma almofada que não tornam dramáticos os seus tempos mais próximos. Apresenta- se, apesar disso, visivelmente afetado. Explicou-me o que lhe vai na alma: “nem imaginas quanto me custam as passagens periódicas pelo Centro de Emprego... Enquanto espero, sinto que uma estranha deficiência me atingiu, após acidente sem culpa. Acreditas que tenho vergonha?” As minhas palavras não têm valido de nada: reafirma em cada conversa a sua condição de “amputado”. De facto, sempre sentiu o trabalho como um direito, um dever, um contributo e não apenas como uma fonte de rendimentos – protestando a injustiça de se ver transformado numa “despesa a reduzir”... Admite que o patrão também viveu momentos de angústia e se pode ter sentido sem alternativa. Mas, em todo o caso, reafirma que são indisfarçáveis as dores… Se ouvirmos amputações e dores, ganha alma o debate do desempregos - tantas vezes traduzido em percentagens e números, sem olhos, nem família; ou em pouco menos que estéreis indignações. Com 202 milhões de desempregado em todo o mundo e o mercado em ponto morto, parece um ideal fora de alcance; mas importa não perder de vista a obrigação de tudo fazer para que todos tenham acesso ao trabalho e o possam assegurar. O emprego tem de ser uma prioridade social. E, neste esforço, cabe importante papel aos cristãos, cuja obrigação é lutar contra tudo o que afeta a pessoa, pois acreditam num Deus solidário com o homem. Não comunga desta visão quem olha o trabalho como simples mercadoria, que se regulamenta ou desregulamenta com a mesma facilidade, esquecendo que se trata de uma dimensão essencial da existência do homem sobre a terra. Ou quem considera o homem um mero instrumento de produção e não uma pessoa, cujos ritmos, tempos e condições há que respeitar. Quando se fala em Nova Evangelização vem a propósito assumir o compromisso de evangelizar o social, divulgando a Doutrina Social da Igreja e assim criando um clima de pensamento moral num tempo de desequilíbrios e gritantes desigualdades. Muitos o fazem. Nesta edição de Ecclesia fala-se de gente que, num contexto de enorme crise de confiança, não se fecha no individualismo; pelo contrário, compromete- se em ações solidárias. Alguns atrevem-se mesmo a investir para manter e criar emprego, pregando, por gestos e não por meras palavras, a esperança numa vida melhor, mediante uma economia social e solidária. João Aguiar Campos

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