29/12/11

Olhar em frente

Este tempo não é de resignações (como não o é nenhum tempo)

Não me recordo de um ano que se iniciasse com tão maus augúrios como vai começar 2012: tem já prometida mais austeridade em Portugal e nasce com uma suposta maldição milenar que o associa ao fim do mundo. Promete.

Há quem goste de manter expectativas baixas, para não se desiludir e o próximo ano é tentadoramente enganador, desse ponto de vista: se tudo o que parece poder correr mal vier a correr efetivamente mal, temo que muitos se limitem a encolher os ombros e a murmurar um breve ‘já sabia’.

A experiência mostra que é preciso apontar para cima e olhar sempre em frente para podermos realizar as nossas aspirações mais legítimas e, se for caso disso, ultrapassar os limites.

Este tempo não é de resignações (como não o é nenhum tempo): as mensagens que o Papa e os bispos de Portugal foram deixando, nesta quadra, não perderam de vista o realismo das situações de pobreza, de conflito ou de qualquer outra necessidade, mas apontaram sempre numa direção de confiança, de possibilidade de futuro melhor, maior ainda, quem sabe, do que aquilo que sonhamos. Essa é, no fundo, uma lição cristã de Natal, aprendida no nascimento de Jesus, que podemos transportar a todo o momento.

Essa mensagem de esperança precisa de chegar de outros pontos da sociedade, a nível nacional e global, para que o futuro de tantas pessoas não se assemelhe, de forma vergonhosa, à pobreza e precariedade com que viveram os seus pais e avós, como tantos outros antes deles, tendo de fugir, muitas vezes, de um destino que parecia inevitável no seu próprio país, por falta de soluções.

2012 vai ser também um ano cheio para a Igreja Católica, com a comemoração dos 50 anos da abertura do Concílio Vaticano II, o início do Ano da Fé, a realização de um Sínodo dos Bispos sobre a Nova Evangelização. Há todo um campo em aberto de renovação e de reconfiguração para poder enfrentar aquilo que Bento XVI tem identificado, sistematicamente, como o maior obstáculo à vida eclesial e à sua afirmação, particularmente na Europa: a crise da fé, também por cansaço ou indiferença de quem se diz(ia) crente.

Octávio Carmo



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23/12/11

Somos a autobiografia de Deus

Um poema de Natal de Tolentino Mendonça

Quando despontarem as primeiras luzes do Seu cortejo
ainda nos faltará tudo:
o azeite na almotolia,
um alfabeto que descreva com outra firmeza o azul,
formas indivisíveis para este amor,
que só em fragmentos
e numa gramática imprecisa
conseguimos viver.

Quando despontarem as primeiras luzes
estaremos talvez longe:
à altura dos olhos continuaremos a trazer a mesma indisfarçável solidão
as mesmas mediações ilegíveis através do tempo
as mesmas demoras tatuadas.

O Seu advento encontra-nos sempre impreparados
e, contudo, este é o momento em que
por puro dom se nasce.

A Sua vinda testemunha o que não sabíamos ainda:
a nossa frágil humanidade é narração
da autobiografia de Deus.

José Tolentino Mendonça




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13/12/11

Abrir-se ao dom

Recuperar a verdade do Natal é abrir-se ao dom, deixar que Cristo se forme em nós

Acende-se, neste tempo, a nostalgia nos nossos corações. E quando escrevo "nossos", estou a pensar em quantos ainda viveram um Natal religioso, familiar e feliz; afinal os que conheceram outra realidade diferente desta pressa anónima, irrefletida e comercial que hoje nos afoga.

Nostálgicos, exclamamos que "já não é como dantes". Estranhamente, porém, resignamo-nos, qual pedaço de esferovite perdido na corrente: apesar de flutuar, está decididamente rendido a uma força estranha!

Foi já há mais de uma dezena e meia de anos que me confrontei com um grito de alarme numa revista espanhola: "Roubaram-nos o Natal". Mas aonde nos levou esta constatação? Que reação provocou, para além do estranho sentimento de perda? Às indefinições que vivemos…

Sempre tive grande dificuldade em lidar com a resignação, mesmo quando ma apresentavam vestida de suposta virtude. Realmente, tenho medo de cobardias dóceis ou cómodas abdicações.

É por isso mesmo que defendo uma urgência: recuperar a verdade do Natal -- lavando-a de todas contaminações e "distrações", para usar a ideia expressa pelo Papa Bento XVI no Angelus do passado domingo.

Se o fizermos, torna-se natural o anúncio e a partilha da impensável notícia: "Deus amou tanto o mundo, que lhe deu o seu Filho unigénito".

Reconheça-se que muitos cristãos assim procedem, trabalhando para que os sinais do Amor não desapareçam das casas, das ruas e, sobretudo, dos gestos. Deparamo-nos, por isso, com exposições, presépios, estandartes às janelas e campanhas que levam ao encontro do outro - que é sempre o lugar de encontro com Deus. Mas são demasiados os embrulhados numa mera generosidade de coisas; ou em atitudes simplesmente protocolares, vividas com o desencanto de quem eterniza indiferenças, ainda que escritas sob o manto de "cordiais saudações"!..

Recuperar a verdade do Natal é abrir-se ao dom, deixar que Cristo se forme em nós. Sem medo, pois que quanto mais fugirmos de Deus, mais nos desumanizamos.

João Aguiar Campos





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07/12/11

O tempo

Há, na juventude eclesial do nosso país, verdadeiros profetas da comunicação a que importa dar asas nos novos tempos

Tinha praticamente acabado de ser ordenado Padre quando surgiu o Decreto do Concílio sobre os Meios de Comunicação Social. O próprio título era novo e pensávamos que longo e pouco fácil de divulgar e assimilar. E foi afinal o grande batismo do cinema, da imprensa, da rádio e da televisão no século XX. A expressão latina Media surge quase cinquenta anos depois quando se dá o fantástico cruzamento com as plataformas digitais que prolongam quase até ao infinito as autoestradas da comunicação do nosso tempo. Na narrativa diária do Concílio, foi meu companheiro e mais tarde colega, um jornalista e escritor espanhol, que me ensinou a ver, julgar, agir e contar factos e dizeres muito complexos, numa linguagem simples e próxima. Agradeci-lhe, por escrito, em pleno Concílio. Mais tarde cruzaram-se as nossas vidas como repórteres da mesma aventura missionária: voltados para o mundo sem ficarmos de costas para a Igreja e narrar, para além da frieza da doutrina, o acontecimento da Igreja e do mundo, ambos de Deus, recetores do Espírito, impulsionadores da história, narradores do divino no humano e do humano no divino. José Luis Martín Descalzo era o seu nome. Para mim o mais subtil e apaixonado narrador da Igreja e do mundo, o melhor cronista do Concílio que conservo religiosamente em quatro volumes, dia por dia, hora por hora. Ele já partiu mas continua testemunha do maior acontecimento da Igreja no século XX. Soube narrá-lo em análise e síntese, com os olhos e alma de quem tem uma liberdade limitada apenas pelo amor.

Lembro, já no fim dos anos sessenta, ter sido convidado para integrar o que seria o esboço duma equipa, mais tarde comissão, para as comunicações sociais. E nomes como Magalhães Mota, Avelino Pinto, Mota Amaral, Miguel Trigueiros e outros. Daí para cá não descolei desse projeto e exerci, chamado, muito convictamente a minha vocação sacerdotal com todas as maravilhas e turbulências em que a comunicação é fértil. E passado esse tempo, cá estou. Senti que era bom nalgumas áreas passar testemunho operativo aos mais novos, mesmo consciente que a criatividade nunca parte de adultos ou jovens mas da nossa atenção aos sinais dos tempos. E há, na juventude eclesial do nosso país, verdadeiros profetas da comunicação a que importa dar asas nos novos tempos. Aí estão nas frentes de vários projetos ECCLESIA com capacidade para oferecer ao Reino de Deus e ao mundo mediático o melhor do seu engenho e arte. E na barca vão timoneiros ágeis e seguros.

Nesta causa há um tempo para chegar e um tempo para partir.

António Rego


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05/12/11

Igreja em Concílio

A 50 anos de distância, é mais fácil ir além da hermenêutica da rutura ou da continuidade

Assinalar os 50 anos do Concílio Vaticano II é uma oportunidade para a Igreja Católica se rever em dinâmica conciliar. Não só pela evocação e debate dos temas essenciais propostos por essa reunião histórica da comunidade católica, de que os documentos aprovados são reflexo, como também pela memória do contexto que requereu um Concílio Ecuménico, do percurso preparatório, dos debates e esquemas propostos e das constantes ligações entre Roma e o resto do mundo ao longo do decorrer dos trabalhos.

A representatividade global que esta assembleia conquistou é, desde logo, de anotar. Não apenas pela participação de delegados dos cinco continentes, mas também pelos contributos enviados para Roma nos três anos anteriores à realização das sessões conciliares, quando foram pedidos temas para debate e sugestões para o desenrolar dos trabalhos. A Roma chegaram quase 2 mil respostas, onde estavam mais de 9 mil propostas.

Depois, os anos de reunião, no Vaticano: 2500 participantes no Concílio, observadores, peritos, consultores teológicos, tradutores e muitas outras pessoas para concretizar uma ideia do Papa João XXIII, expressão de procuras e interrogações de mulheres e homens dos meados do séc. XX na tentativa de adequar verdades eternas a novos contextos.

Todo esse processo, a História do Concílio, os seus protagonistas e os que o acompanharam à distância, pode ser ainda contado na primeira pessoa. E a ocasião aí está: assinalar mais de três anos de sessões conciliares e outro tanto em preparação transformar-se-á em oportunidades para dar vida a “diários do concílio”, apontamentos, cartas, debates da época, desafios e interrogações por aqueles que o viveram. A geração que não experimentou esses dinamismos reclama-o!

Depois, o estudo, a compreensão e a concretização das conclusões dos trabalhos, traduzidas em 4 Constituições Apostólicas, 9 Decretos e 3 Declarações, os documentos aprovados sempre por mais de 2100 votantes e onde apenas um teve mais de 100 votos contra (o relativo às comunicações sociais).

A 50 anos de distância, é mais fácil ir além da hermenêutica da rutura ou da continuidade. Será possível acolher os resultados do Concílio Vaticano II rejeitando vias que se excluem para encontrar caminhos e linguagens de inclusão.

Paulo Rocha


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