29/06/11

Desistir do futuro

Seria importante manter a sensibilidade para os bons exemplos, as histórias de sucesso, as boas notícias

O país está em sobressalto há muito tempo. Todos se vão habituando à crise, à austeridade, às dificuldades anunciadas que ensombram a sociedade e também universos interiores já de si pouco brilhantes.

Seria importante manter a sensibilidade para os bons exemplos, as histórias de sucesso, as boas notícias, mas nem sempre é fácil desviar o olhar do que choca, do que assusta e intimida, da tristeza e do desespero de quem não pode sair mesmo das crises que o envolvem, sejam elas nacionais, internacionais ou do mais íntimo do seu ser.

Vários perdem a perspetiva. Outros limitam-se a baixar a cabeça e tentar dar um passo de cada vez, sem saberem o que vão encontrar.

A verdade é que, com um passo, pode manter-se viva uma longa caminhada, mas é fundamental que haja rumo, destino, para que a mesma não redunde apenas num passeio estéril, em círculos, vagueando pelos tormentos que exigem determinação e esperança para poderem ser superados.

Desistir do futuro é anular o presente. Ninguém consegue avançar no vazio travestido de fantasma, fingindo não ter existência ou permanecendo à espera de um milagre qualquer que, por iniciativa alheia, venha resolver os dilemas quotidianos e quase permanentes com que a vida nos presenteia.

Do ponto de vista pessoal e coletivo, este é, sem dúvida, um momento de viragem. É preciso reconhecer aquilo que nos afunda e resolver, rapidamente, essas questões, para que se encontre um novo rumo, um destino seguro e uma forma de avançar que permita evitar os mesmos erros do passado, dando um sentido de futuro ao presente.

Em cada um e na identidade nacional permanecem sementes e mesmo frutos de esperança, de iniciativa e de resistência às adversidades. Talvez pareça mais fácil olhar para o chão, abdicar do que se esconde por trás do horizonte, mas haverá sempre quem se atreva a combater as crises, sejam elas quais forem, arrastando outros para esse caminho de salvação. Sem desistir do futuro.


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21/06/11

Coisas de sobrevivência

Momento em que a verdade urge, em que a mensagem é como nunca assimilada, é também a hora, oportuníssima, de uma intervenção íntegra e frontal, sem demagogias

Em ambiente renovado, de genuíno propósito e aparência empenhada, uma esperança fortalecida parece depositar-se na recente equipa governativa.

Generaliza-se o apelo à união e à produtividade, mais do que à luta extenuante pela sobrevivência, em que paralisámos há anos.

Algumas gerações não conheceram, sequer, outro modo de vida.

Ideologias à parte, mais do que crer, confia-se para sobreviver. Em estado de graça, é certo, a renovação sempre faz destas coisas, vencendo, a bem da nossa felicidade (mesmo que efémera, mas tranquilizante), o amargo da suspeição, inerte numa herança que nunca foi deixada. Relativiza-se o lastro da obra feita, do discurso faccioso, da inauguração antecipada, do acordo inconsequente.

Ávidos de boas novas, a expectativa é enorme. Validam-se ideias e aguardam-se palavras de alento, que entrem, e depressa, nos nossos lares. Momento em que a verdade urge, em que a mensagem é como nunca assimilada, é também a hora, oportuníssima, de uma intervenção íntegra e frontal, sem demagogias.

Nesta missão concreta, em discurso direto, legível e verdadeiramente ecuménico, muito se espera da Igreja em Portugal.

Sandra Costa Saldanha



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15/06/11

A música de Deus

A música é uma grafia da alma, mais do que uma técnica. Não é ao silêncio que a música se opõe, mas ao ruído

A Igreja portuguesa premeia um maravilhoso criador contemporâneo, o compositor Eurico Carrapatoso. Na próxima sexta-feira, em Fátima, D. Manuel Clemente, Presidente da Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais, entregará o galardão "Árvore da Vida/Padre Manuel Antunes" a um dos nomes mais importantes da nossa cena musical.

Eurico Carrapatoso tem assinado um reportório de invulgar qualidade, num país como o nosso que valoriza ainda pouco o grande contributo cultural e humano que as artes, e nomeadamente as artes musicais, representam. É de toda a justiça iluminar um percurso que, além do mais, sempre tem tentado um diálogo com o nosso cancioneiro tradicional e tem procurado, de forma inspirada, a voz de poetas emblemáticos Fernando Pessoa, Sophia de Mello Breyner ou António Manuel Pires Cabral.

Acho que todos podemos perceber alguma razão na sentença célebre de Friedrich Nietzsche: "Sem música, a vida seria um erro". De facto, há dimensões da verdade do homem que a música ilumina melhor do que outras linguagens. Na música, na grande música, percebemos como o Ser Humano só realmente se entende na abertura ao universal, na vizinhança do mistério e do infinito. A música é uma grafia da alma, mais do que uma técnica. Não é ao silêncio que a música se opõe, mas ao ruído. A música toma como matéria o silêncio e entreabre-o, e transfigura-o até ele ressoar, em puro fulgor.

Num discurso em louvor de Mozart, o Papa Bento XVI dá um testemunho cabal do que a música pode representar na celebração dos mistérios cristãos: "Quando, nos dias festivos, se interpretava uma Missa de Mozart na nossa Igreja Paroquial de Traunstein, eu, um simples rapaz do mundo rural, sentia que o Céu se abria em nosso redor. Nuvens de incenso elevavam-se em frente ao presbitério, nas quais o Céu se reflectia; sobre o altar realizava-se um acto sagrado, o qual - bem o sabíamos - permitia para nós a abertura do Céu. Do coro ressoava uma música que só podia provir do Céu, uma música na qual se revelava o júbilo dos anjos à beleza de Deus. Havia algo desta beleza no meio de nós. Tenho de confessar que sempre senti tudo isto ao escutar Mozart".

José Tolentino Mendonça


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07/06/11

A nova árvore da vida

O chamado efeito viral duma comunicação veio alterar todos os códigos convencionais de ética informativa

O recente escândalo sexual de Nova Iorque com o Diretor do FMI levou cada francês a procurar, numa semana, mais de 135 vezes notícias sobre o tema. Muito mais do que aquando o desastre nuclear de Fukushima. A informação foi avançada pelo porta-voz da Conferência Episcopal Francesa. E conduziu à velha questão da informação de “ruído único”. Na produção e procura.

Não está encerrado o velho duelo entre quem tem obrigação de oferecer uma informação livre, objetiva, hierarquizada na sua importância e interesse público e quem tem de a procurar com as mesmas características. Esta bizarra lei da oferta e da procura faz do acontecimento uma mercadoria com regras para quem vende e sem exigências para quem compra. A ideia genérica é que quem informa tem deveres, quem procura informação apenas tem direitos. A verdade é que o mercado comercial ou político das audiências condiciona quem vende ao gosto de quem consome informação. A escolha dum canal, dum jornal ou rádio, dum noticiário, tem uma importância capital nos critérios editoriais de quem informa. Mesmo quando se trata dum “serviço público”

Hoje, um novo fenómeno se abre: a interação direta nos novos media. Todos produzem e todos recebem informação. As redes sociais alimentam-se de notícias, palavras, comentários e imagens nascidas num pequeno grupo, partilhadas e facilmente disseminadas por milhares de milhões de pessoas. O chamado efeito viral duma comunicação veio alterar todos os códigos convencionais de ética informativa. Veio fazer de cada cidadão um autor e ator de notícias que irrompem numa explosão avassala-dora. É indiscutível que se estabelecem redes extraordinárias de proximidade entre parentes e amigos que cada vez vencem mais distâncias. Novas e preciosas informações circulam pelo planeta no grande festival de encontro e enriquecimento mútuo com outras culturas, dados, visitas a todos os santuários do saber, do celebrar e orar. O mundo nunca esteve tão aberto e disponível a partilhar o que é e tem. Mas, como se percebe, por estas plataformas tudo pode passar. E se não houver responsabilidade em quem comunica e quem recebe – todos somos a um tempo uma coisa e outra - perderemos uma nova oportunidade de aprendizagem e comunicação que o mundo nos oferece. E por vezes acontece, como nos recentes vídeos de violência, que se cruzam os meios tradicionais e os mais recentes. Nem sempre para o bem. A técnica passa, o homem fica. E são os seus parâmetros de dignidade que extraem os melhores frutos dessa nova árvore da vida.

António Rego


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