Liberdade e Cidadania
Não podemos aceitar que, em sociedades legitimamente laicas, todos nos tenhamos de comportar em público como ateus
A celebração de um Sínodo dos Bispos para o Médio Oriente permitiu que, durante duas semanas, se pudesse colocar no centro das preocupações de toda a Igreja, e não só, a situação verdadeiramente dramática dos cristãos que resistem na terra onde a sua fé nasceu.
Muitos deles vivem, efectivamente, numa terra de ninguém: são árabes, sem serem muçulmanos; são católicos, mas não celebram, na sua maioria, com o rito latino, mas segundo a sua própria tradição; amam a sua pátria, mas esta não lhes reconhece plena cidadania. Esta situação, que representa uma carga quase insuportável, pode ser vista, contudo, como uma missão de sacrifício, de ponte entre dois mundos que se conhecem mal e que se devem respeitar mais.
Uma das chaves para esse respeito passa, como sublinharam vários intervenientes no Sínodo e o próprio Bento XVI, pelo respeito da liberdade religiosa. Esta não se conquista pelo medo e seria muito ridículo pensar que as comunidades teriam de representar uma ameaça às suas sociedades para ganhar o respeito de quem as governa.
Não estamos a falar de uma liberdade de culto, privada, mas de um conjunto de condições jurídicas que se estendem à educação, ao direito de associação, à profissão pública da fé, com consequências na vida concreta e no comportamento, na organização da vida social.
Os participantes no Sínodo insistiram muito nesta necessidade de reconhecimento pleno da sua condição de cidadãos, cristãos, mesmo quando nasceram e vivem num país de maioria islâmica. No Ocidente, esta necessidade é vista muitas vezes com distância, mesmo desprezo, porque acima da dignidade humana estão valores económicos, jogos políticos e interesses particulares.
Se ninguém, entre nós, concebe hoje que se possa obrigar um ser humano a professar uma fé, algo em que não acredita, deve ser igualmente inconcebível impedir que um ser humano professe a sua fé.
Também nas nossas sociedades é preciso aprender as lições que os cristãos sem medo do Médio Oriente nos dão todos os dias. Respeitar a consciência é respeitar as suas escolhas e convicções, também do ponto de vista religioso.
Porque não podemos aceitar que, em sociedades legitimamente laicas, todos nos tenhamos de comportar em público como ateus, em nome de uma suposta tolerância.
Octávio Carmo
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