Decididos, indecisos e desinteressados
Vivemos numa sociedade cada vez mais mergulhada na desesperança. Instituições, pessoas, projectos, tudo é olhado com um profundo cepticismo, mesmo desprezo, fustigadas que estão as pessoas pelos falhanços do passado e a desconfiança do futuro.
Muito para além da crise social, económica ou do actual sistema democrático, é este pano de fundo que serve para justificar a ausência de milhões de portugueses quando chamados a exercer o seu direito fundamental de votar, que tantos anos levou e tantos sacrifícios provocou até poder ser de todos e para todos.
Mais do que uma opção consciente pela abstenção, voto em branco ou nulo, chocam os (muitos) casos em que se pode testemunhar o orgulho com que tantos cidadãos não só manifestam profundo e total interesse em relação aos próximos actos eleitorais, como entendem ser essa uma manifestação de superioridade face a um mundo indigno, fechado em si próprio e alheio aos anseios das populações.
Apesar de tudo, não decidir é, efectivamente, deixar que sejam outros a decidir por nós, sem apelo nem agravo. Fazer ouvir a nossa voz, ainda que de forma anónima, numa multidão de eleitores, é o grito de esperança que podemos dar, sem depender de outros.
O voto, efectivamente, não é uma arma de arremesso partidária, é a arma dos cidadãos, a mais importante, aquela que, em última instância, pode – em consciência e liberdade – dar vida às transformações que cada um gostaria de ver na nossa sociedade.
A Igreja, de uma forma discreta, fez ouvir a sua voz já há algum tempo, numa nota da Conferência Episcopal Portuguesa. Sem entrar em qualquer espécie de propaganda partidária, são deixados uma série de princípios que os católicos devem reconhecer nos programas eleitorais que merecerem a sua escolha.
Alhear-se do futuro pode ser, em última medida, abrir caminho para situações que atentam contra os nossos princípios e as nossas convicções, numa sociedade democrática.
Como se referia nas conclusões das Jornadas Missionárias que decorreram em Fátima, criar espaços de relações comunitárias, mesmo desde um ponto de vista político – termo que vem perdendo (perdeu já?) o seu sentido nobre – é um dos espaços para a nova missão da Igreja, mais a mais num ambiente de laicismo cada vez mais militante. Só assim se pode devolver a esperança no poder da decisão.
Octávio Carmo
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