31/07/12

Tempo que passa

(...) Valorizar pequenas coisas, que não são do mercado nem por lá se encontram, descobrindo o valor da entrega, da gratuidade, da solidariedade, (...) da espiritualidade Há uma sede quase insaciável de quantificação, na sociedade de hoje. As realidades diárias são reduzidas a números, as pessoas a estatísticas, tudo é contabilizado para um consumo imediato (e muitas vezes mediático). Nesta tirania dos números, continuamos a viver um momento de viragem, em que ainda não se vislumbra com precisão o novo rumo, um destino seguro, um sentido de futuro para o presente marcado por tantas dificuldades, em que muitas questões se levantam sem que surjam as respostas mais adequadas. O lazer, o tempo livre, o encontro com outras pessoas e outros lugares surgem assim como um desafio para sair da quotidianidade, valorizando o que é único, pessoal, irrepetível e não cabe numa fotografia, em duas linhas, em 30 segundos. A atual crise económica fez com que muitas pessoas colocassem as suas prioridades em perspetiva e aprendessem a valorizar estas pequenas coisas, que não são do mercado nem por lá se encontram, descobrindo o valor da entrega, da gratuidade, da solidariedade e, nalguns casos, da espiritualidade. Descobrir que dentro de nós há coisas que não se compram nem se vendem, mas reclamam atenção, tempo e dedicação é um caminho de realização pessoal que pode contagiar a comunidade e levá-la a potenciar o que de melhor tem em si, através da soma das qualidades de cada um. As próximas semanas, que para muitos são de descanso, podem ser um tempo de inspiração para reformular projetos e expectativas, mostrar reconhecimento a quem nos rodeia, longe da agitação em que os dias mergulham, dos tempos que se agitam. Para muitos, também, será uma oportunidade para reencontrar sentidos e rumos, na relação com os outros e com Deus, de vislumbrar os sonhos do que verdadeiramente se gostaria de viver, em busca de respostas mais profundas, que permanecem para lá do tempo que passa. Octávio Carmo

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24/07/12

Saltar de nível

É fundamental assumir discursos inclusivos, que não se fixam no «meu grupo”, mas no nosso caminho, na opção comum Serve de rótulo em muitas ocasiões, mas a certeza tantas vezes dita de que a juventude está arredada de opções de fundo, de propostas formativas ou espirituais e, sobretudo, de conselhos da religião não corresponderá à verdade. Cresce mesmo a errada ideia que distancia o perfil juvenil da dimensão institucional, determinante para a construção social em qualquer tempo. À resistente – e sempre louvável – militância sénior que se evidencia em qualquer grémio é necessário acrescentar o crescente pulsar juvenil, em ambientes rurais como os urbanos, quando se trata de revitalizar associações, grupos e tradições. É junto das camadas mais novas que heranças culturais e populares encontram novos fôlegos, sempre e bem sustentados pela maturidade de outros, mais velhos. E este não será um fenómeno exclusivo destes tempos. Talvez o seja de todos os tempos, repetidamente desconhecido porque escondido no ciclo de cada geração. A relação dos jovens com a Igreja Católica acontece nesta afinidade, em sintonia com a tensão gerada por sentenças genericamente formuladas, reveladoras de desconhecimentos, e o compromisso real, próximo e concreto que muitos jovens e numerosos grupos levam por diante, independentemente do que deles se diz. Não raros projetos mostram a grande proximidade que existe entre as novas gerações e a Igreja Católica. Também a relevância de instituições e iniciativas eclesiais no itinerário juvenil, emergindo com grande diversidade em pessoas e grupos e de acordo com momentos formativos, académicos, profissionais ou familiares. Mas sempre presente. E é necessário notar essa presença, sobretudo entre pares. A mobilização juvenil em torno do voluntariado missionário, a persistência em valorizar a música cristã que se apresenta em cada Festival Jota, ou a reunião de milhares de adolescentes e jovens de todo o país em acampamento nacional em torno da metodologia escutista são exemplos destes dias. E sucedem-se a muitos outros projetos que um ano escolar e pastoral incluiu, em iniciativas de âmbito nacional ou diocesano, de secretariados ou movimentos juvenis. Entre todos, é fundamental assumir discursos inclusivos, que não se fixam no “meu grupo”, mas no nosso caminho, na opção comum. E fazer de todos os eventos, de todas as propostas uma oportunidade para saltar de nível na configuração de cada pessoa com o programa de vida de todos os tempos: o Evangelho. Paulo Rocha

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17/07/12

A urgência de comunicar: oportunidade ou oportunismo?

Comunicar pode bem passar pelo recurso a meios escassamente aproveitados: a linguagem da arte, a peculiaridade do património, a potenciação do turismo Com um discurso frequentemente hermético, carregado de conceitos próprios, nem sempre acessíveis, neste processo de adaptação a uma sociedade cada vez mais secularizada, a Igreja Católica tem promovido, frontalmente, um debate saudável em torno das suas próprias dificuldades de comunicação. Como assertivamente sublinha um recente documento das Comissões de Comunicação das Conferências Episcopais de Portugal e Espanha: “toda a ação pastoral da Igreja tem de ser mais comunicativa”. Relativismos à parte, há pois que enfrentar o desafio, simplificar a linguagem, descodificar a mensagem, num compromisso de cedência, que, não pondo em causa a sua identidade, seja verdadeiramente ecuménico. Ora, a pretexto da temática central deste semanário Ecclesia, dedicada ao Turismo, é pois oportuno evocar a relevância de outros meios de comunicação. Sobretudo em contexto de nova evangelização, e de uma tão reclamada criatividade pastoral, comunicar pode bem passar pelo recurso a meios escassamente aproveitados: a linguagem da arte, a peculiaridade do património, a potenciação do turismo. Modos eficazes de uma comunicação legível, forçoso será também refletir quanto ao teor do que efetivamente se transmite. Salvaguardada a prioridade da sua missão evangelizadora, não poderão, contudo, perpetuar-se de uma forma meramente instrumental, como meios para atingir um fim. Fechados em objetivos exclusivamente confessionais, arriscando um sectarismo pouco saudável, de fenómeno imposto, fomentariam, sem dúvida, um maior distanciamento da sociedade. Há, pois, toda uma vasta dimensão a explorar no que à comunicação patrimonial concerne, verdadeiramente Universal e congregadora, onde a Igreja poderá, com legitimidade, promover uma genuína presença pública da Fé. Sandra Costa Saldanha

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11/07/12

Carta a um amigo sobre a vida espiritual

A espiritualidade não é uma busca epidérmica e apressada de satisfação. Na maior parte do percurso a pergunta que vale não é “o que me sacia?”, mas “qual é a minha sede?” Depois percebemos que a vida espiritual não pode ser uma coisa à parte, e que saudavelmente coincide com a única vida que temos. O que há em nós de realização e de desejo, de tensão irresolúvel e de dom; o que nos habita da forma mais habitual; o que nos afunda mais na terra, no corpo e no tempo: é aí que ouvimos (ou podemos ouvir) os passos de Deus. Falar da vida espiritual é sempre sondar as zonas mais profundas (e por isso também mais reais, mais imperfeitas, mais inacabadas) do nosso coração. A espiritualidade não é uma busca epidérmica e apressada de satisfação. Na maior parte do percurso a pergunta que vale não é “o que me sacia?”, mas “qual é a minha sede?”. Gosto da maneira como os autores clássicos da vida espiritual falam dela como de uma luta. O próprio Jesus lembra que não veio trazer a paz das aparências, mas a espada que penetra as camadas mais íntimas. A vida espiritual é isso: por vezes uma luta, por vezes uma luminosa dança. Podemos fazer muitos atos ligados ao espiritual ou ao devocional e não estar a construir uma verdadeira experiência de vida espiritual. De facto, esta só cresce quando no centro está uma relação. Não basta crer, nem pertencer. É necessário mergulhar, habitar (ou melhor, saber-se habitado). E tudo o resto: descobrir-se buscado, querido, bem-amado. A vida espiritual não é da ordem do fazer, mas do ser. Diz-se que estes duros tempos de crise económica, em que todos os dias vemos tombar o modelo que identificava a felicidade com o poder de compra (ou com a sua ilusão), constituem uma oportunidade para a redescoberta do espiritual. Pode bem ser. Mas no lugar de um ídolo, não podemos colocar outro. A vida espiritual não é um oculta-vazios ou um alívio emocional para sociedades à beira de um ataque de nervos. É uma aventura maior, que nos radica na verdade nua do homem e na verdade de Deus. Partamos daí. José Tolentino Mendonça

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04/07/12

Ei-los que partem

O número dos que não receberam ainda o primeiro anúncio, ou a desertificação crente exigem muito mais 1. O título destas linhas não introduz a conhecida canção de Manuel Freire. De facto, aqueles que pretendo mencionar não vão de coração triste e saco às costas, nem levam o sonho de regressar ricos; ao menos de bens materiais... Os voluntários missionários, que nestas linhas quero homenagear - é essa a minha intenção - partem pressionados pelo desejo desprendido de, noutras aragens e entre outros povos, oferecerem tempos de entusiasmo, fé e saber. Não os conduz o romantismo, a fuga de qualquer circunstância menos positiva, ou o gosto pela aventura. Urge-os o amor e a profunda exigência da vida de Deus em cada um. Sem esta causa, não imagino, aliás, como poderiam pôr à prova afetos ou adiar justos desejos de realização profissional. Sendo verdade que “o homem contemporâneo acredita mais nas testemunhas que nos mestres”, os voluntários missionários cumprem, de forma excelente, o que, nas palavras de João Paulo II aos membros da Federação dos organismos cristãos do Serviço Internacional de Voluntariado, cabe a cada crente: “tornar de certa forma experimentável, através da sua dedicação aos irmãos, a ternura Providencial do Pai celeste”. Na mesma linha aponta Bento XVI, na Carta Apostólica para o Ano da Fé: “Aquilo de que o mundo hoje precisa de maneira especial é do testemunho credível dos que, iluminados na mente e no coração pela Palavra do Senhor, são capazes de abrir o coração e a mente de muitos ao desejo de Deus e da verdadeira vida; essa que não tem fim”. 2. Escrevi que o voluntário missionário não leva, quando parte, outro desejo que não seja o de servir. Mas os testemunhos de quem viveu tal experiência não escondem, também, a recompensa de “cem vezes mais”, prometida no Evangelho. Socorro-me do que escreveu Catarina, em agosto de 2011, no final da sua missão em Timor: “cheguei de coração cheio para dar. Parto de coração cheio do que recebi. Cheguei a pensar que mudava o mundo. Parto a saber que o mundo me mudou a mim. Cheguei a pensar fazer. Parto a saber que o que mais importa é ser. Cheguei eu. Parto eu mais rica”. (http://www.estemeucoracao.blogspot.com). 3. Se se aprofundar a dimensão vocacional da vida cristã, muitas outras vidas se entregarão. Sendo verdade que as estatísticas dos que partem revelam generosidades insuspeitadas, o número dos que não receberam ainda o primeiro anúncio, ou a desertificação crente exigem muito mais. Eis um desafio colocado a todas as comunidades ou paróquias: assumir a exigência da dimensão missionária, constitutiva de toda a Igreja. De modo que todos pratiquemos a convicção de que, afinal, ser crente é viver em constante estado de missão. João Aguiar Campos

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