Imaginar seis coisas impossíveis já antes do pequeno-almoço
A história contada faz mais do que reflectir uma coisa: a essência nela atestada perdura, habita-a por dentro
Parece só uma Alicemania. Mas penso que é mais do que isso. O redescoberto encanto pela personagem inventada por Lewis Carroll e revisitada agora pelo mágico olhar do cineasta Tim Burton, não é apenas fruto de uma oportunidade comercial para fazer render as histórias do tempo das tetravós. O que seduz em figuras como Alice (mas também em Peter Pan, Pinóquio, etc.) é, no fundo, o poder inesgotável que as histórias têm de representar o humano e de ajudá-lo a ser (ajudá-lo a maturar, a compreender-se, a crescer...) Este regresso às histórias mostra como a nossa cultura hiper-tecnológica e sofisticada, mas também solitária e abstracta, tem necessidade da força concreta, da emoção e da sabedoria das grandes parábolas.
O filósofo Walter Benjamin apontou o dedo à Modernidade dizendo que ela tende a eclipsar os contadores de histórias e que isso é uma perda irreversível, pois a arte de contar é a arte de transmitir não apenas conceitos, mas experiências, exemplos, modelos. Numa linha semelhante, o teólogo Johann Baptist Metz chama a atenção para a urgência de reconhecer e revalorizar «as estruturas profundas narrativas» da Fé, recuperando na educação religiosa «o magistério das histórias», pois só esse garante-nos assentarmos em experiências originais e autênticas. A história contada faz mais do que reflectir uma coisa: a essência nela atestada perdura, habita-a por dentro. Por isso é que o que nós contamos volta continuamente a ser uma força.
Num dos seus livros, Martin Buber conta esta história inesquecível: «O meu avo estava já paralisado. Um dia pediram-lhe também a ele para contar uma história, uma história que ele tivesse vivido com o seu mestre. Então ele contou como esse homem santo que era Baalschem tinha o costume de saltar e dançar quando rezava. E ao contar isto o meu avo levantou-se, e o relato envolveu-o de tal maneira que ele começou a saltar e a dançar para mostrar como o seu mestre fazia. Desde esse instante ficou curado».
Não tenho dúvidas que Alice é muito útil. E que vale bem a pena escutarmos o seu conselho de imaginar, ainda antes do pequeno-almoço, uma mão cheia de impossíveis.
José Tolentino Mendonça
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