27/01/11

Uma educação para todos

A certeza de que «é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança» é lei em várias latitudes. Contraria a determinação de qualquer Governo querer educar todas as crianças

Apresentado o tema sem qualquer referência temporal, dir-se-ia que o debate sobre a liberdade de ensino, em Portugal, não é uma "história" do início do terceiro milénio.

A progressiva conquista de todas as liberdades e do exercício democrático nos variados palcos que se vão erguendo na sociedade portuguesa esbarra com a impossibilidade familiar de escolher modelos educativos e com o limite imposto a pessoas e instituições de participarem no processo educativo das novas gerações.

Ao contrário das tendências sociais e políticas da actualidade, que rejeitam afirmações singulares e propostas únicas e que adiantam as mais variadas teses relativistas para justificar comportamentos, atitudes e mesmo histórias de vida cada vez mais diferenciadas, a educação em Portugal quer afirmar-se a partir de um modelo único, imposto pelo legislador do momento.

Mesmo que o debate actual se prenda a questões económicas, elas não são a problemática fundamental. Isso mesmo tem sido afirmado pelas associações que representam o sector, nomeadamente a APEC (Associação Portuguesa de Escolas Católicas) e AEEP (Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo). Num diálogo com a sociedade e com as entidades públicas, defendem a implementação de modelos de ensino baseados na liberdade de escolha por parte das famílias, acontecendo aí, nas famílias, o apoio financeiro para o percurso escolar.

Argumentos económicos, políticos, sociais, pedagógicos e sobretudo vocacionais poderiam ser arrolados em favor deste modelo. E muitos outros...

A certeza de que "é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança" é lei em várias latitudes. Contraria a determinação de qualquer Governo querer educar todas as crianças.

Em Portugal, parece ser esse o propósito político: querer educar, a partir de modelos únicos, todas as alunas e todos os alunos. Não apenas no que se refere à transmissão de conhecimentos. Também na imposição de princípios éticos e modelos comportamen-tais fortemente discutíveis ou mesmo reprováveis.

À necessidade de um debate técnico da questão acrescente-se a sabedoria geracional e o conhecimento que propôs modelos democráticos às sociedades da actualidade: que a escola seja o primeiro laboratório da liberdade e não seja apenas uma a educação imposta a todos.

Paulo Rocha


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18/01/11

O Estado das Coisas... 100 anos depois

Tema transversal a diversos domínios, o património cultural parece eternizar-se, todavia, entre uma das áreas em que o Estado e a Igreja Católica mais assuntos têm por resolver

Ultimadas as imensas celebrações em torno do centenário da República, 2011 é o ano em que se evoca a Lei da Separação, acontecimento que, de um modo consequente, mais atingiu a Igreja Católica em Portugal. Com iniciativas já programadas e anunciadas entre algumas instituições, subsiste, todavia, a aparente diluição do tema nas anteriores comemorações que, em boa verdade, assimilaram, num corolário lógico, os acontecimentos decorridos em 1911.

Tema transversal a diversos domínios, o património cultural parece eternizar-se, todavia, entre uma das áreas em que o Estado e a Igreja Católica mais assuntos têm por resolver. Tema sensível, já oportunamente lembrado por responsáveis e prelados, a necessidade de encontrar caminhos para resolver as questões do património, em concreto, daquele afecto ao culto católico, é emergente.

Organismos com responsabilidades inalienáveis, que desde a primeira hora deveriam, por imperiosa necessidade, actuar em estreita articulação, trabalharam, durante décadas, isolados, quando não mesmo, em conflito. Volvidos 100 anos, um novo rumo pode emergir, sem dúvida, de uma renovada conjugação de vontades. É notória uma estratégia de proximidade, ancorada em competências específicas e objectivos comuns. Estabelecem-se protocolos, promovem-se acordos, estreita-se uma linha de diálogo e de confiança mútua.

Mas não chega. Ainda que indispensável, são crescentes as expectativas em torno de uma política consequente e sustentada de salvaguarda e valorização dos bens culturais da Igreja. Sucessos ocasionais não respondem a necessidades estruturais. Há que potenciar essas relações e operacionalizar uma articulação efectiva entre instituições da Igreja e organismos do Estado. Em ano de centenário, porque não ponderar?

Sandra Costa Saldanha


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11/01/11

Aprenderemos a flutuar?

(...) a grande mudança, aquela mais poderosamente criativa, a que deixa, de facto, a mais impressiva marca continuará a ser a que ocorre no interior de nós.

Não sei que fronteira separa aqui a realidade da ficção, mas aceito escutar, entre a literatura que as revistas nos servem no Ano Novo, o que o século XXI trará à reinvenção dos quotidianos. Garantem-nos que, de uma forma ou de outra, nos converteremos todos em "tech-nómadas". Que reaprenderemos a arrumar os nossos pertences e passaremos a viajar com uma mala só. Que navegaremos pela Web de um modo mais articulado, inteligente e portátil, mas também que voltaremos a andar descalços. Que a ideia de propriedade ou o registo das patentes vão ser reequacionados, pois entraremos cada vez mais num tempo de "difusão em contínuo e à distância". Que aprenderemos igualmente a relati-vizar o tempo. Que tentaremos de modo mais organizado "desinto-xicarmo-nos do dinheiro", como já se diz, dando um outro valor ao intercâmbio e à reciprocidade. Que as pequenas lojas de proximidade vão substituir as grandes superfícies. Que aprenderemos a reconverter com maleabilidade carreiras e profissões. Que andaremos mais à boleia. Que criaremos uma relação com os animais ditos selvagens não baseada no medo e montaremos mais vezes o nosso acampamento em florestas e savanas. Que a tecnologia de impressão 3D será em breve considerada mais útil e durável que a fabricação tradicional do plástico. Que todos os nossos móveis serão de cartão e reciclar tornar-se-á prática corrente. Que as nossas casas desafiarão a gravidade, descolando-se em parte do apoio do solo e encontrando formas espantosamente leves. Que mesmo o vestuário de cerimónia passará a permitir uma elasticidade maior de movimentos. Que nós próprios aprenderemos a flutuar. Que os velhos eléctricos e autocarros deixarão as garagens e serão transformados em restaurantes para uma aventura gastronómica original. Que os museus perderão uma certa ambiência estática e serão transformados em instalações oníricas. Que nos reconciliaremos com as nossas identidades.
Qualquer que venha a ser o formato dos nossos quotidianos sabemos, contudo, que a grande mudança, aquela mais poderosamente criativa, a que deixa, de facto, a mais impressiva marca continuará a ser a que ocorre no interior de nós.

José Tolentino Mendonça


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03/01/11

Dois mil e Deus

Que 2011 chegue em festa, como uma página em branco que Deus nos coloca diante das mãos, para preenchermos com as marcas do melhor que existe em nós

2010 chega ao fim e volta em nós este sentimento de impotência perante a inexorabilidade do tempo, as tantas expectativas que ficaram por cumprir, as surpresas, o sabor amargo de uma crise que, em muitos momentos, apagou do mapa toda e qualquer boa notícia que cada dia pudesse trazer consigo.

É ainda demasiado cedo para perceber se 2010 será um ano para a história de Portugal, mas é já certo que fica na história da Igreja Católica: seja pela presença de Bento XVI entre nós, seja pela visibilidade cada vez maior da Igreja Católica em questões sociais, este ano foi uma espécie de “dois mil e Deus”, como há muito não se via.

Por mais que se procure afastar a religião do espaço público, a sua presença capilar nas mais diversas áreas da vida social faz com que surja, quando menos se espera, ainda com mais força.

Esta força torna-se respeitada e admirada quando aplicada em favor dos mais desfavorecidos, dos que não têm voz, dos esquecidos de uma sociedade demasiado preocupada com «ratings» e mercados para perceber que o maior capital que tem a defender é cada pessoa, na sua dignidade.

E agora, preparamo-nos para 2011. Os ciclos que marcam a nossa vida levam a que cada ano novo seja, mais depressa do que nós gostaríamos, um ano velho, alvo de balanços e de comparações com outros que, antes deles, nasceram cheios de promessas de um mundo novo.

Procuramos, instintivamente, revisitar os nossos passos, inspeccionar os caminhos por onde andámos, rever marcas dos locais e pessoas que nos marcaram, como se isso mudasse o passado e redefinisse o presente. Voltar atrás sobre as nossas pegadas não nos regenera, apenas nos afunda. O nosso caminhar pertence ao futuro.

Cada ano corre, inexoravelmente, parecendo igual a todos os outros que o precederam, mas a chave para mudança reside não numa qualquer força cósmica que nos transcende ou em fórmulas mágicas, mas dentro de cada um. Para que a impotência não nos domine.

Que 2011 chegue em festa, como uma página em branco que Deus nos coloca diante das mãos, para preenchermos com as marcas do melhor que existe em nós, num momento em que são particularmente importantes a solidariedade e a esperança para uma vida nova.

Octávio Carmo



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